Wake Up Dead Man: A Knives Out Mystery tinha tudo para ser aquele lançamento perfeito de fim de ano: terceiro caso de Benoit Blanc, elenco estrelado, clima de feriado e um público que já comprou a ideia de um bom whodunnit moderno. 
Só que, em vez de um lançamento amplo, o filme virou mais um capítulo da novela entre streaming e sala de cinema: a Netflix libera uma janelinha nos cinemas, mas tão reduzida que até o próprio diretor, Rian Johnson, está claramente irritado com o alcance limitado.
No papel, o plano parece generoso para um serviço de streaming: Wake Up Dead Man chega a alguns cinemas em 26 de novembro, no fim de semana de Ação de Graças, e no dia 12 de dezembro entra no catálogo global da Netflix. Na prática, porém, essa “estreia nos cinemas” significa algo bem distante de um circuito nacional. O filme vai passar apenas em salas selecionadas, e a maior rede dos EUA, a AMC, simplesmente recusou o título. Quem abraça o longa são redes como Landmark, Alamo Drafthouse e alguns exibidores independentes, criando um cenário em que ver a nova investigação de Blanc no telão virou quase uma caça ao tesouro.
Johnson não esconde a frustração. Nas redes sociais, ele responde fãs que reclamam por não encontrar nenhuma sessão perto de casa e admite que também está chateado com a falta de alcance. O diretor passou a divulgar o site oficial de Wake Up Dead Man como a melhor ferramenta para descobrir quais salas estão programando o filme, lembrando que novos cinemas podem ser incluídos com o tempo. Em um gesto que parece meio prático, meio desesperado, ele ainda sugere que quem estiver realmente afim de ver o longa em tela grande ligue ou mande mensagem, com educação, para o gerente do cinema local perguntando se o título vem aí.
Ao mesmo tempo, Johnson ressalta que o filme não precisa desaparecer das salas no dia em que chegar à Netflix. Se houver público nas primeiras semanas, os exibidores podem manter Wake Up Dead Man em cartaz mesmo depois do streaming. Em outras palavras, a longevidade do filme no cinema foi terceirizada para plateias e donos de salas, enquanto a Netflix continua repetindo seu mantra: a prioridade é entregar o filme primeiro aos assinantes em casa, e qualquer experiência de cinema entra como um extra cuidadosamente controlado.
Essa distância entre o discurso corporativo e a experiência real do público é justamente o ponto onde cresce a irritação. Tem uma parte dos fãs que não consegue sentir pena de Johnson. Muita gente ainda guarda ranço de Star Wars: Os Últimos Jedi, tanto pelas decisões criativas quanto pela forma como o diretor reagiu às críticas na época. Para esse grupo, a nova postura “estou do lado do público, também estou com raiva do lançamento limitado” soa meio falsa: ele aceitou um acordo milionário com a Netflix, sabia que o foco seria o streaming, e agora tenta se posicionar como vítima de um sistema que ele mesmo ajudou a consolidar.
Outros não estão necessariamente contra o diretor, mas sim cansados do modelo. Eles lembram do sufoco que foi tentar assistir Glass Onion no cinema: janelas curtíssimas, poucos horários, às vezes só em outra cidade. Vários espectadores tiveram que reorganizar agenda, viajar ou correr atrás dos poucos ingressos disponíveis. Agora, com Wake Up Dead Man, há quem simplesmente não tenha conseguido ingresso nenhum. E quando ver um filme vira uma operação logística complicada, o hype esfria rápido. Em vez de “evento imperdível”, o lançamento se transforma em “depois eu vejo no streaming e pronto”.
Também tem o público que olha para toda essa história e pensa: não vale o esforço. A ideia de ter que caçar sessão, checar site oficial e ainda falar com gerente para ver um filme que, em poucas semanas, vai estar na sua TV soa como mais trabalho do que diversão. Essas pessoas já fizeram o cálculo mental: Benoit Blanc vai estar ali na aba de novidades em dezembro, com pausa, legenda e sofá garantidos. Nesse contexto, o pedido de Johnson para o público “lutar” pelo filme nas salas lembra menos um manifesto em defesa do cinema e mais um diretor tentando recuperar uma fatia da velha magia da tela grande que ele trocou por segurança financeira.
O curioso é que a Netflix sabe, melhor do que ninguém, que o cinema ainda é uma vitrine poderosa. A empresa testa janelas maiores para alguns projetos de prestígio, flerta com lançamentos limitados de animações e produções internacionais, e até planeja estrear o episódio final de Stranger Things simultaneamente nos cinemas e no streaming. Mesmo assim, o discurso oficial segue o mesmo: nada de “volta ao modelo antigo”, apenas exceções estratégicas para títulos específicos. O cinema vira ferramenta de marketing, não o centro da experiência.
Wake Up Dead Man cai bem no meio dessa contradição. As primeiras reações da crítica, incluindo um sólido 7/10 do IGN, apontam que o filme é um terceiro capítulo bem construído, mais próximo do sabor clássico de mistério que muitos sentiam falta nos casos anteriores de Benoit Blanc. A dúvida, para quem gosta do personagem, não é se vale a pena assistir, e sim onde vale ver: na rarefeita sessão de um Alamo da vida ou, algumas semanas depois, na habitual sessão de sofá com a Netflix aberta. De um jeito ou de outro, a nova investigação de Blanc já deixa uma pista bem clara: em 2025, o verdadeiro crime é ter um filme que muita gente quer ver no cinema – mas que quase ninguém consegue encontrar na programação.
1 comentário
Depois do estrago que ele fez em Star Wars, é meio difícil acreditar que agora o Rian tá super preocupado com o público, parece mais jogada de imagem kkk