De vez em quando aparece uma série que lembra a todo mundo como é divertido quando a ficção invade o mundo real. Com a quinta temporada de Stranger Things, os irmãos Duffer fizeram exatamente isso: esconderam um número de telefone de verdade em cena, e ele não está ali só para compor o cenário. 
Se você pausar o episódio, anotar os dígitos e ligar, não recebe uma mensagem de operadora, e sim um recado oficial do “Departamento de Polícia de Hawkins”, como se a pequena cidade existisse de fato em algum canto de Indiana.
O número surge logo no primeiro episódio da temporada, num mural da escola de Hawkins. Enquanto os militares caçam Eleven, a câmera passeia pelo corredor e para num cartaz de “adolescente desaparecida” com a foto de Jane Hopper. Embaixo, um telefone com DDD de Indiana, que parece completamente comum para quem só deixa o episódio rodando. Hawkins é fictícia, claro, mas esse tipo de detalhe sempre foi parte do charme da série. No cartaz, Jane é descrita como tendo 15 anos – algo que já virou piada entre fãs, porque Millie Bobby Brown hoje tem aparência muito mais adulta do que na fase inicial da produção.
Quem decide testar o número ganha um mini mergulho extra no universo da série. Em vez de ouvir um erro de ligação, cai direto em uma gravação da polícia local. Uma voz séria informa que, devido a um terremoto de magnitude 7,4, a cidade está em lockdown para proteger os moradores. A mensagem também explica que há uma Força-Tarefa de Emergência atuando com o departamento de polícia e que encontrar Jane Hopper é prioridade máxima. No fim, o recado pede que “todos os cidadãos responsáveis de Hawkins” colaborem na busca. É um misto de alerta público e teaser da trama, tão bem encaixado que por alguns segundos dá para esquecer que tudo isso é pura ficção.
O mais curioso é que esse easter egg não nasceu junto com a estreia do episódio. O mesmo número já tinha dado as caras em janeiro, em um post promocional de Stranger Things nas redes sociais. Na época, muita gente achou que seria só mais um detalhe gráfico e nada aconteceria. Mas claro que sempre existe aquele fã que pega o celular e resolve conferir. Resultado: descobriram a gravação completa da polícia de Hawkins, idêntica à que aparece agora integrada ao episódio, e começaram a compartilhar vídeos com reações. Teve gente comentando que não ligava para um número de filme ou série desde a época do telefone fixo, e outros dizendo que o áudio foi tão imersivo que deu até arrepio.
Esse tipo de brincadeira resgata um estilo de campanha que fez muito sucesso antes da era dos clipes virais instantâneos: os velhos ARGs e experiências de marketing interativo, com sites secretos, pistas escondidas e números misteriosos. O “disque Hawkins” funciona como um desses jogos, mas sem exigir quebra-cabeça complicado. Basta ligar. Ao mesmo tempo, reforça a ideia de que Stranger Things nunca foi só nostalgia dos anos 80; ele usa esse clima retrô para criar novas formas de conexão com o público, em que o fã deixa de ser apenas espectador e passa a participar ativamente do mundo da história.
Essa estratégia conversa diretamente com a maneira como a Netflix vai lançar a temporada final. Em vez de despejar todos os episódios de uma vez, a plataforma vai tratar o fim da série como um evento em várias etapas. Os quatro primeiros capítulos chegam em 26 de novembro, mais três estreiam no Natal e o episódio final será liberado na noite de Ano-Novo, não só no streaming, mas também em mais de 350 cinemas pelo mundo. É um calendário pensado para manter a conversa viva por semanas, incentivar teorias, maratonas em grupo e um clima de despedida que lembra grande final de saga de cinema.
Ross Duffer, um dos criadores, já fez até um “pedido técnico” aos fãs: desligar aquelas configurações de imagem dos televisores que deixam tudo com cara de novela barata, como o famoso motion smoothing. Para ele, a última temporada foi pensada com estética de cinema, e os ajustes automáticos de algumas TVs modernas podem estragar esse visual. Curiosamente, esse recado tem muito a ver com o número de Hawkins: de um lado, os produtores tentam preservar a experiência dentro da tela; do outro, criam atalhos, como o telefonema, para estender a experiência para fora dela.
Enquanto isso, o número de telefone continua circulando por grupos, timelines e fóruns. Alguns fãs ligam só pela zoeira, outros usam a gravação para analisar pistas da trama, e muitos simplesmente se divertem com a sensação de estar falando com uma cidade que só existe na ficção. No fim das contas, é um detalhe pequeno em meio a batalhas contra o Mundo Invertido e terremotos devastadores, mas que mostra o quanto os criadores se preocupam em construir um universo coeso, cheio de camadas e sutilezas. Em Hawkins, até um simples cartaz de desaparecida pode virar porta de entrada para algo maior – e agora esse “algo maior” passa também pelo seu próprio telefone.