
Steam é monopólio ou apenas a maior força gravitacional do PC?
Um whitepaper recente sobre distribuição de jogos em PC veio com um dado que chama atenção: em uma pesquisa com 306 executivos de estúdios nos EUA e no Reino Unido, 72% afirmaram enxergar o Steam como monopólio. O termo, porém, carrega peso jurídico específico. Em sentido estrito, monopólio é controle exclusivo, sem substitutos relevantes. No ecossistema do PC, que é aberto por natureza, existem outras lojas e até rotas diretas ao consumidor. Então por que tanta gente no setor sente o Steam como se fosse, na prática, um monopólio? Porque efeitos de rede, hábito do jogador e custo de mudança criam um poço de gravidade difícil de escapar.
Alternativas existem e não são poucas: Epic Games Store, GOG, itch.io, Microsoft Store no PC, e ainda os apps de publicadoras como EA e Ubisoft. Há também varejistas digitais autorizados, como Humble e Fanatical. Segundo recortes citados no estudo, quase metade dos respondentes já publicou em EGS ou na loja de PC do Xbox, enquanto GOG e itch.io aparecem com adoção menor. Mesmo assim, a massa crítica continua no Steam: duas décadas de iteração renderam biblioteca robusta, modo offline estável, Workshop para mods, fóruns e guias, Big Picture e suporte sólido a controle, ferramentas para builds e atualizações, além de sistemas de desejo e avaliação que viraram linguagem comum do PC gaming.
Preferência do usuário vira efeito de rede. Se os desejos, as discussões, os mods e as carteiras concentram-se no Steam, o cálculo de marketing do estúdio acaba puxando para lá também. Não é que as rivais estejam bloqueadas; muitas vezes, elas são ignoradas quando não entregam o pacote completo de usabilidade, comunidade e recursos. A estratégia de exclusividades e grandes ofertas da EGS gerou barulho, mas não substituiu a percepção de plataforma principal. O GOG conquista simpatia com DRM-free e instaladores offline, porém assusta parte dos publishers; a Microsoft melhorou bastante sua loja, mas ainda corre atrás no imaginário do público mais engajado.
Vem então o debate de políticas e preços. Críticos apontam que expectativas de paridade e certos termos históricos teriam um efeito disciplinador, reduzindo a liberdade para experimentar valores em lojas concorrentes. Defensores retrucam que paridade simplifica a vida do consumidor e evita confusão. Em paralelo, a precificação regionalizada causa ruído emocional: quem paga mais em mercados de maior renda se irrita ao ver países vizinhos pagando menos pela mesma build. Do ponto de vista econômico, discriminação de preço pretende maximizar receita global; do ponto de vista do jogador, parece injusto. É nesse vão que vendedores de chaves sem procedência florescem.
Convém separar conceitos. Varejistas como Humble e Fanatical, quando operam com contratos, auditoria de chaves e antifraude, não são mercado cinza. O cinza aparece quando há vazamento de lotes, geração fraudulenta ou revenda fora dos termos. Por medo, alguns estúdios cortam todo canal terceiro e abrem mão de alcance e merchandising. Uma abordagem mais madura trata chave como estoque: lotes pequenos, rastreio por campanha, segmentação por região, regras claras de reembolso e relatórios periódicos com parceiros autorizados. Assim, o canal complementar vira aliado, não ameaça.
Ampliando o quadro, os principais ventos contrários do PC não se resumem a uma única loja. Descoberta continua sendo dor crônica: janelas de lançamento entupidas, páginas competindo pelo mesmo espaço e atenção limitada. O avanço de free-to-play e serviços vivos concentra tempo do público em poucos títulos. Assinaturas reposicionam a âncora mental de preço. Mesmo jogos excelentes precisam de orquestração: demos, wishlist bem trabalhada, calendário de descontos, bundles regionais, relacionamento com criadores de conteúdo e presença ativa em Discord e comunidades.
Se a gravidade do Steam parece inevitável, o que fazer? Trate multiloja como padrão, mas com proposta distinta para cada vitrine. No GOG, versões DRM-free, instaladores offline e edições de colecionador. Em canais como Humble, curadoria temática, apoio social e bundles com storytelling. Na EGS, créditos de carteira ou vantagens temporárias que façam sentido para a base daquela loja. Nas próprias lojas de publisher, crie hubs de franquia e benefícios para quem já está no ecossistema. Em paralelo, gerencie chaves como uma linha de produto: controle de emissão, etiquetas de campanha, bloqueios regionais quando necessário e telemetria para detectar vazamentos rápido.
Experimente preços sem gerar efeito sanfona. Estabeleça patamares globais coerentes, explique ajustes por câmbio e impostos e evite romper expectativas de uma semana para outra. Instrumente a operação com dados: entenda onde a wishlist converte melhor, quanto rende cada canal versus o esforço operacional, e como a atividade da comunidade impacta a curva de descontos ao longo do tempo. E pense em portabilidade: cross-save, backups em nuvem e comunicação clara de posse reduzem o medo de comprar fora do hábito, o que abre espaço para competição saudável.
No fim, a pergunta se Steam é ou não monopólio tem duas respostas. No jurídico, tende a se enquadrar como plataforma dominante em um sistema aberto, não um monopólio puro. No prático, o conjunto de rede, conveniência e custo de troca faz o Steam se comportar como monopólio efetivo em muitos cenários. As duas coisas podem coexistir. Para rivais, o caminho passa por vencer naquilo que o jogador sente todo dia: estabilidade, recursos, comunidade. Para estúdios, a saída é diversificar com intenção, não só copiar build para lojas silenciosas. Para jogadores, competição real nasce quando se avalia loja por respeito ao consumidor e qualidade do serviço, não apenas pelo tamanho da biblioteca atual.