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Banimento de Roblox na Rússia: entre proteger crianças e censurar cultura

por ytools
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O Roblox saiu oficialmente de cena na Rússia.
Banimento de Roblox na Rússia: entre proteger crianças e censurar cultura
O órgão regulador de mídia e telecomunicações do país, o Roskomnadzor, ordenou o bloqueio da plataforma alegando que ela representa um risco para crianças, tanto por casos de grooming e sexualização de menores quanto por aquilo que classifica como conteúdo inadequado, incluindo experiências com temática LGBTQ+ criadas pelos próprios usuários.

Nos documentos e comunicados russos aparece a fórmula de sempre: proteção do desenvolvimento espiritual e moral das crianças. Na prática, essa expressão funciona como um guarda-chuva onde cabem duas preocupações misturadas: abusos reais cometidos por adultos em ambientes online e qualquer representação de relações que fogem à ideia de família tradicional. Em vez de separar problemas de segurança de debates culturais, tudo é jogado na mesma cesta de supostas ameaças à infância.

Quem apoia o bloqueio insiste que o foco principal não é o arco-íris nas fases do jogo, mas os casos de adultos se passando por adolescentes dentro de mundos do Roblox para se aproximar de menores em chats e servidores privados. Para esse grupo, basta olhar o histórico de denúncias e processos contra a plataforma para concluir que fechar a torneira é uma decisão óbvia. Alguns comentários nas redes chegam a dizer que outros países deveriam copiar Moscou e tirar o jogo do ar até que a empresa prove, na prática, que consegue proteger melhor as crianças.

Ao mesmo tempo, a menção explícita à presença de conteúdo LGBTQ+ no texto das autoridades russas está longe de ser detalhe. Nos últimos anos, o país ampliou leis contra aquilo que chama de propaganda de relações não tradicionais, primeiro quando o público é menor de idade e, mais recentemente, praticamente em qualquer contexto público. Dentro desse quadro legal, um personagem queer, um casal do mesmo sexo ou um simples símbolo colorido num jogo podem ser tratados como risco moral, mesmo quando aparecem em histórias ficcionais criadas por jogadores.

Do lado de fora da Rússia, a leitura é bem diferente. Em boa parte do mundo, a presença de personagens LGBTQ+ em séries, filmes e jogos já é vista como algo normal dentro da cultura pop. Críticos da decisão apontam que colocar a existência de pessoas queer no mesmo saco de crimes de exploração sexual é uma forma de confundir o debate: por um lado existe o problema gravíssimo do abuso infantil; por outro, uma disputa ideológica sobre quem pode ser mostrado como legítimo na mídia consumida por jovens.

A Roblox Corporation tenta se equilibrar nesse cenário turbulento. Em declarações públicas, a empresa repete que respeita as leis locais dos países onde atua, mesmo quando elas diferem bastante entre si, e insiste em descrever a plataforma como um espaço positivo para aprender, criar e fazer conexões significativas. O discurso oficial fala em compromisso profundo com segurança, em sistemas de moderação em várias camadas e em ferramentas pró-ativas que deveriam impedir que o pior conteúdo chegue aos olhos das crianças.

Só que esse discurso esbarra em anos de reportagens, ações judiciais e relatos de pais e responsáveis. Várias investigações mostram como mundos aparentemente inocentes dentro do Roblox podem servir de porta de entrada para conversas sexualizadas, convites para chats externos e outras formas de manipulação voltadas a menores. Mesmo quem discorda frontalmente da cruzada russa contra tudo que é LGBTQ+ admite que a plataforma ainda tem um longo caminho a percorrer para ser de fato segura para o público infantil.

Pressionada por governos, mídia e famílias, a empresa vem apertando alguns parafusos. Uma das medidas mais polêmicas é a verificação de idade por meio de reconhecimento facial para liberar recursos como chat de voz e certos tipos de interação social. Para defensores, é um mal necessário: se só adultos comprovados tiverem acesso a certas funções, fica mais difícil que predadores se escondam atrás de avatares de criança. Já para especialistas em privacidade, é assustador imaginar um serviço voltado a jovens acumulando também dados biométricos sensíveis.

O caso Roblox não é isolado. Pouco antes da decisão, um simples jogo de paciência disponível no Steam foi proibido na Rússia por trazer elementos de narrativa LGBTQ+. Esse tipo de movimento agrada a jogadores que reclamam de suposta agenda de diversidade em todos os lançamentos e comemoram quando o Estado limita o que consideram militância disfarçada de entretenimento. Para outros, quando até um jogo de cartas vira alvo de leis morais, está claro que a bandeira da proteção das crianças está sendo usada para justificar um controle muito mais amplo sobre o que as pessoas podem consumir.

A disputa ainda se alimenta da falta de confiança em grandes veículos de imprensa e plataformas digitais. Há quem veja o Roskomnadzor como um censor autoritário, mas desconfie igualmente de redes de notícias ocidentais e das políticas internas de gigantes da tecnologia, acusadas de impor treinamentos ideológicos e filtros editoriais. Nesse olhar cínico, todo mundo está brigando pela mesma coisa: influenciar a visão de mundo da próxima geração, seja por leis, seja por algoritmos.

Enquanto governos e comentaristas discutem, os números globais do Roblox continuam impressionantes. A plataforma já registrou picos de usuários simultâneos maiores que o recorde histórico do Steam somando todos os seus jogos, sinal de que o universo de experiências criadas por jogadores virou um enorme ponto de encontro para crianças e adolescentes. Não se trata mais só de matar tempo depois da escola, mas de socializar, experimentar linguagens, consumir marcas e, cada vez mais, gastar dinheiro real em itens virtuais.

No fim, o bloqueio na Rússia joga luz sobre uma questão que vai muito além de um único título. Quem vai definir como é a infância digital: órgãos reguladores com agendas próprias, empresas globais obcecadas por crescimento ou famílias tentando navegar esse campo minado com informação limitada? O futuro de plataformas como Roblox será decidido nesse choque entre segurança legítima, liberdade de expressão e batalhas culturais que hoje se travam dentro de telas e servidores, mas impactam diretamente a vida das crianças fora delas.

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1 comentário

NeoNinja December 12, 2025 - 1:05 am

Engraçado ver gente zoando propaganda russa e fingindo que corporação ocidental não empurra a própria cartilha ideológica pra funcionário e público. No fim todo mundo quer moldar a cabeça dos nossos filhos

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