Num momento em que o mundo da relojoaria está obcecado por caixas menores, mostradores discretos e o tal do ‘quiet luxury’, a Zenith chega ao Dubai Watch Week 2025 com algo que parece um ato de rebeldia calculada. O Zenith Defy Extreme Lapis Lazuli não quer se esconder debaixo do punho da camisa, nem posar de reedição vintage comportada. É um cronógrafo enorme de 45 mm, em aço e ouro, com superfícies espelhadas, submostradores de lápis-lazúli e um dos calibres mais extremos da indústria, capaz de medir centésimos de segundo. 
Não à toa, a reação foi instantaneamente dividida: para alguns é um delírio maravilhoso, para outros é exatamente o tipo de exagero caro que simboliza os excessos do luxo atual.
A linha Defy Extreme foi pensada justamente como o laboratório radical da Zenith. Enquanto muitas marcas se prendem a fórmulas retrô, o Defy Extreme sempre abraçou uma estética de ficção científica: caixas grandes, geometria agressiva, materiais como carbono e titânio microjateado, combinações de cores que flertam abertamente com o território da Hublot
. Já vimos versões ‘selva’, modelos espelhados, edições com transparências ousadas. A Lapis Lazuli pega esse mesmo espírito e o leva para uma direção mais opulenta: menos cara de ferramenta tática, mais energia de joia de alto impacto pensada para fotos em ambiente VIP.
Design e proporções: relógio que nasceu para aparecer
Em números, não há nenhuma tentativa de ser tímido. A caixa do Zenith Defy Extreme Lapis Lazuli mede 45 mm de diâmetro, com espessura em torno de 15,4 mm e asas integradas que alongam ainda mais a presença no pulso. 
Em um pulso pequeno, ele parece quase um pequeno veículo espacial; em um pulso médio ou grande, vira o protagonista instantâneo de qualquer look. Mas o tamanho não é gratuito. A Zenith aproveita cada milímetro para construir uma arquitetura complexa: a base da caixa é octogonal, sobre ela vem um aro circular, e em cima de tudo um bezel dodecagonal com parafusos aparentes. Do lado direito, guardas enormes abraçam a coroa e os botões, lembrando mais as linhas angulares de supercarros do que um cronógrafo de automobilismo clássico.
A construção bicolor é o ponto que mais divide opiniões. O corpo central, o aro interno do bezel e o fundo são em aço, enquanto a moldura externa do bezel e as peças que protegem a coroa são em ouro amarelo. Em vez da fórmula mais previsível (aço escovado e ouro bem polido), a Zenith inverte a lógica: o ouro é microjateado, com facetas finíssimas polidas servindo como contorno luminoso, e o aço vira um grande bloco espelhado, com superfícies planas e triangulares altamente refletivas. Na prática, o relógio se comporta como um pedaço de cromo no pulso: pega reflexo de tudo, muda de aparência com qualquer movimento e é bem mais difícil de fotografar do que de usar.
Acabamento da caixa e robustez real
Para alguns colecionadores, esse conjunto de tamanho grande, brilho intenso e formas angulosas é a síntese do que eles não querem em um relógio de luxo, evocando lembranças da fase mais polêmica da marca sob Thierry Nataf
. Outros enxergam justamente o contrário: um sinal de que a Zenith prefere experimentar e correr riscos em vez de simplesmente lançar mais um esportivo de 40 mm escovado com mostrador cinza. A sensação ao vivo é de um objeto sólido, quase monolítico, que não tenta disfarçar que é uma peça de ostentação – mas que, ainda assim, entrega uma base técnica levada a sério.
O fundo de safira deixa ver o movimento, mas não abre mão do discurso de design: a moldura do fundo repete a linguagem facetada da parte frontal da caixa, e o conjunto transmite uma sensação de continuidade. Apesar da estética ‘show-off’, o Defy Extreme Lapis Lazuli tem credenciais de tool watch: coroa rosqueada, construção robusta e resistência à água de 200 metros. Ninguém vai comprar esse relógio pensando em mergulhar de cilindro, mas é interessante notar que ele é mais preparado para o mundo real do que muitos cronógrafos mais discretos que se dizem esportivos.
Lápis-lazúli no mostrador: luxo clássico em um palco futurista
Mesmo com tanta presença metálica, a conversa inevitavelmente migra para o mostrador – ou melhor, para a falta de um mostrador tradicional. Como outros Defy Extreme, essa versão aposta em uma construção esqueleto, em que a placa-base e as pontes ficam expostas e dividem espaço com escalas e submostradores em vários níveis. No centro dessa arquitetura, quatro discos de lápis-lazúli formam os subdials: contador de minutos do cronógrafo às 3 horas, contador de segundos do cronógrafo às 6, pequenos segundos às 9 e indicador de reserva de marcha às 12.
O lápis-lazúli voltou a ser queridinho da relojoaria de alta gama na última década. O azul profundo, quase real, com manchas irregulares e pontos dourados de pirita, remete a joias históricas, arte sacra e a estética dos faraós. A Zenith escolheu pedras de boa qualidade: os submostradores exibem cor densa, textura rica e bastante brilho metálico, que conversa diretamente com os ponteiros em tom dourado e os índices chanfrados. A combinação azul e ouro é um clichê de luxo por um motivo simples: funciona, seja em um relógio de época, seja em um cronógrafo futurista como este.
No entanto, é justamente aí que nasce uma das críticas mais frequentes. Em um relógio tão grande, muita gente esperava que o lápis-lazúli dominasse o cenário em forma de mostrador quase inteiro, com recortes apenas onde necessário. Ao dividir a pedra em quatro ilhas circulares, cercadas por pontes, parafusos e escalas, a Zenith cria um efeito mais fragmentado. De longe, o que se vê é um relógio muito técnico com toques azuis, não exatamente um ‘stone dial’ clássico. 
Alguns colecionadores argumentam que um esmalte azul bem executado poderia entregar impacto visual semelhante com menos complexidade, além de libertar o layout para algo mais limpo.
Legibilidade, uso diário e curva de aprendizado
Para um cronógrafo esqueleto, a legibilidade do Defy Extreme Lapis Lazuli é melhor do que o esperado. Os ponteiros centrais de horas e minutos são largos, em tom dourado, e se destacam com clareza sobre o conjunto escuro de rodas e pontes. O anel externo tem índices aplicados e escala bem marcada, o que ajuda a bater o horário num olhar rápido. Quem está acostumado com mostradores abertos provavelmente não vai sofrer aqui.
O desafio começa quando se aciona o cronógrafo. O layout não segue a fórmula mais tradicional, e é fácil se confundir nas primeiras horas com o relógio
. O submostrador das 3 registra os minutos cronometrados, o das 6 lida com os segundos do cronógrafo, e o das 9 são apenas os segundos correntes. O indicador de reserva de marcha às 12 é discreto, mas legível. Em unidades de pré-série e protótipos, já surgiram relatos de que essa indicação nem sempre funciona como deveria, lembrando que calibres tão complexos também têm seu lado sensível.
Na prática, o relógio é tudo menos invisível no pulso. Em pulsos largos, ele passa a sensação de um acessório esportivo de luxo com bastante atitude; em pulsos menores, vira quase uma bracelete de armadura. O peso é considerável, o centro de gravidade é alto, e mesmo assim o encaixe é menos desconfortável do que as fotos poderiam sugerir, graças às asas curvadas e à forma da caixa que acompanha a anatomia. Ainda assim, quem procura um relógio ‘leve’ para o dia a dia dificilmente vai começar por aqui.
El Primero 9004: engenharia no limite, feita para impressionar
Por trás de toda essa teatralidade, há um argumento técnico difícil de ignorar. O El Primero 9004 não é só mais um cronógrafo de alta frequência; é um movimento com dois escapamentos separados, um dedicado à indicação de horas, outro inteiramente voltado para o cronógrafo. A parte de tempo corre na frequência clássica de 36.000 alternâncias por hora, marca registrada da família El Primero e responsável pela varredura mais fluida do ponteiro de segundos e pela possibilidade de medir décimos.
Já o escapamento do cronógrafo funciona em um patamar quase absurdo: 360.000 alternâncias por hora, ou seja, 100 batidas por segundo. Isso se traduz diretamente no espetáculo visual da peça: quando o cronógrafo é acionado, o ponteiro central fino dispara e completa uma volta inteira em um único segundo, lendo centésimos na escala periférica. 
É hipnótico ver esse ponteiro girando como se fosse uma agulha de instrumento científico, enquanto as engrenagens entram em ação de forma quase teatral. Pelo fundo de safira, uma meia-ponte escurecida cobre parte da mecânica, mas ainda deixa em evidência o rotor vazado e os dois reguladores.
Como era de se esperar, essa performance tem seu preço em energia. A reserva de marcha declarada gira em torno de 50 horas para o lado das horas, mas se o cronógrafo ficar ligado por longos períodos, o consumo de energia dispara e a autonomia cai rapidamente. É um cronógrafo pensado mais como show técnico do que como ferramenta para cronometrar o tempo de cozimento do macarrão. A proposta aqui é muito mais emocional: acionar, se impressionar com o que está no seu pulso, parar e, talvez, repetir na próxima conversa com um amigo entusiasta.
Pulseiras, bracelete e três personalidades distintas
Para reforçar a versatilidade estética, a Zenith entrega o Defy Extreme Lapis Lazuli com três opções de fixação, todas com sistema de troca rápida. A mais escandalosa é o bracelete totalmente polido em aço, com elos em forma de H. Com ele, o relógio vira praticamente um bloco único de metal brilhante, perfeito para quem quer abraçar o exagero até o fim. O efeito é hipnotizante, mas também torna o conjunto ainda mais chamativo e volumoso.
Na outra ponta, há uma pulseira em tecido preto com fecho tipo velcro, numa pegada mais tática
. Ela reduz um pouco a sensação de peso visual, traz o relógio para um território mais esportivo e facilita o ajuste, mas o contraste entre o caráter quase joalheria do mostrador e a simplicidade do velcro não convence todo mundo. A solução intermediária é a pulseira de borracha preta integrada, com fecho dobrável. Ela repete as linhas do bracelete nos relevos, é maleável, confortável e provavelmente a opção mais realista para uso diário.
É justamente essa borracha que gerou uma das discussões mais engraçadas em fóruns e redes sociais. Muita gente torce o nariz para a ideia de combinar lápis-lazúli, ouro e aço polido com uma pulseira que, à primeira vista, lembra qualquer diver moderno. Há quem diga que um couro de crocodilo azul escuro ou até uma pele de tubarão deixariam o conjunto muito mais coerente com a aura régia da peça. Por outro lado, defensores da borracha argumentam que, sem ela, o Defy Extreme Lapis Lazuli deixaria de parecer um instrumento esportivo e se transformaria de vez em joia de vitrine. No fim, a Zenith parece ter preferido entregar as três personalidades e deixar que o dono escolha qual lado quer enfatizar.
Preço, estratégia e o relógio como criatura de rede social
Onde as discussões esquentam de verdade é no preço. O Zenith Defy Extreme Lapis Lazuli é limitado a apenas 50 unidades e tem preço oficial de 33.900 dólares americanos. Nesse patamar, ele não concorre apenas com cronógrafos esportivos em aço, mas também com modelos em ouro maciço de outras marcas grandes, alguns deles com bracelete em metal nobre. 
Não falta quem olhe para o quadro geral e conclua que, em termos de ‘ouro por dólar’, o Zenith sai em desvantagem.
Só que relógios de luxo contemporâneos raramente são avaliados apenas pelo peso de metal ou pelo custo do material. Em um cenário dominado por Instagram, TikTok e vídeos de 15 segundos, a primeira missão de qualquer peça de alto luxo é ser capaz de parar o scroll. Cores fortes, proporções exageradas e texturas chamativas tendem a performar melhor nas telas do que mais um esportivo cinza discreto. Um observador comparou esse movimento com a moda das calças super largas nas passarelas: todo mundo sabe que aquilo não favorece a maioria das pessoas na vida real, mas na foto gera impacto e cria conversa – e é isso que as grifes, no fim das contas, estão buscando.
A Zenith faz parte do grupo LVMH, cercada por marcas de moda e joalheria que também estão empurrando o volume visual para atingir uma minoria muito rica e muito online. O Defy Extreme Lapis Lazuli é, nesse contexto, um produto de halo perfeito: nasce para aparecer em feiras como o Dubai Watch Week, para ser fotografado, compartilhado e discutido por apaixonados – e, em última instância, para ser comprado por um punhado de clientes que querem algo mais barulhento do que o esportivo de aço integrado do vizinho. Para os puristas, isso é justamente o problema; para quem vê o luxo como entretenimento visual, é parte do jogo.
Veredito: relógio para quem gosta de exagero assumido
O Zenith Defy Extreme Lapis Lazuli dificilmente vai reconquistar quem acha que a marca se apoia demais na história do El Primero e perdeu a mão no design. Se grandes caixas, mostradores esqueleto e cores ousadas te irritam, este relógio é a prova viva de tudo o que você não quer. Ele é grande, pesado, visualmente carregado e custa caro.
Mas, para um certo grupo de colecionadores, ele representa exatamente o tipo de risco criativo que mantém a relojoaria interessante. Tecnicamente, o El Primero 9004 continua sendo um dos cronógrafos automáticos mais impressionantes do mercado. Esteticamente, a combinação de lápis-lazúli, ouro e uma caixa hipermoderna coloca o Defy Extreme Lapis Lazuli em um território que poucos concorrentes sequer tentam explorar. Sim, dava para simplificar o layout, deixar o mostrador respirar mais, trabalhar com texturas de forma menos caótica ou oferecer de fábrica uma pulseira azul que conversasse melhor com o tema. Ainda assim, como retrato de uma era em que espetáculo, limitação de tiragem e desejo instantâneo valem tanto quanto tradição, esse relógio é surpreendentemente preciso.
Em última análise, o Defy Extreme Lapis Lazuli é feito para quem não tem medo de ser notado. Para quem quer um objeto que provoque risadas, críticas, elogios e olhares curiosos na mesma intensidade. No sol de Dubai, sob luz de balada ou na fila do café, esse bloco azul e dourado jamais passa despercebido. E, para um grupo bem pequeno de pessoas, é exatamente isso que define o verdadeiro luxo.