Quase um mês depois do lançamento de Vampire: The Masquerade – Bloodlines 2, a história mais interessante sobre o jogo talvez não esteja nas telas, e sim nos bastidores. 
Em uma longa entrevista em vídeo com a YouTuber Cat Burton, o ex-diretor criativo do projeto e chefe do estúdio The Chinese Room, Dan Pinchbeck, finalmente contou em detalhes como foi assumir um desenvolvimento em crise – e por que, desde o primeiro dia, ele achava uma péssima ideia chamar o jogo de Bloodlines 2.
Quando a The Chinese Room entrou no barco, o navio já vinha fazendo água há bastante tempo. A Paradox Interactive havia rompido com a desenvolvedora original, a Hardsuit Labs, e o que sobrou foi um jogo pela metade, cheio de decisões espinhosas, com um orçamento fechado e um cronograma nada flexível. Junto com esse pacote problemático veio um nome pesadíssimo. O primeiro Bloodlines, lançado em meados dos anos 2000, virou um clássico cult: um RPG técnico e estruturalmente quebrado, mas também cheio de ideias brilhantes, personagens memoráveis e uma visão de mundo que grudou na cabeça de uma geração inteira de jogadores.
É justamente essa mistura de ambição e caos que torna qualquer sequência um campo minado. Pinchbeck lembra que em várias reuniões internas o assunto sempre voltava para o mesmo ponto: como impedir que o público enxergasse aquele projeto como a continuação definitiva do ícone do PC? Colar um número 2 no título era, na prática, prometer um sonho quase impossível de cumprir. Para os fãs veteranos, isso significava um RPG gigantesco, extremamente reativo, com builds malucos, múltiplos caminhos de história e uma cidade viva para explorar de cabo a rabo. Para quem nunca encostou no original, a palavra continuação sugeria algo robusto, completo, um grande ponto de entrada em uma franquia lendária. Nada disso combinava com o tamanho real do projeto.
A diferença de contexto entre as duas épocas pesa muito. No começo dos anos 2000 ainda era relativamente aceitável lançar um jogo super ambicioso e, ao mesmo tempo, tecnicamente desastroso. Havia mais tolerância para crashes, buracos no level design, missões quebradas e sistemas meio tortos. Patches pós-lançamento, comunidades dedicadas e mods faziam parte do pacote. Muita coisa que hoje é vista como clássico cult só sobreviveu porque os jogadores decidiram insistir e consertar o que dava. Em 2025, o cenário é outro: bastam algumas horas para surgirem análises, memes impiedosos, vídeos de bug compilation e uma enxurrada de pedidos de reembolso. O espaço para o famoso jogo ruim, mas promissor, diminuiu drasticamente.
Foi a partir dessa leitura que Pinchbeck tomou a decisão central de sua gestão criativa. Em vez de tentar recriar um Bloodlines definitivo, enorme e totalmente aberto, a The Chinese Room precisava mirar em algo que coubesse no tempo e no dinheiro disponíveis. Não dava para competir com um Skyrim da vida, mas dava para se aproximar de uma escola de design como a de Dishonored: níveis mais fechados, missões cuidadosamente coreografadas, liberdade dentro de arenas bem delimitadas, foco em furtividade, combate e narrativa forte, tudo amarrado às regras e ao clima de Vampire: The Masquerade.
Essa guinada mexeu em praticamente tudo. Em vez de um grande sandbox urbano cheio de distrações e tarefas paralelas, a equipe passou a desenhar espaços menores, ricos em detalhes e pensados para serem revisitados com abordagens diferentes. Cada encontro foi planejado para oferecer múltiplos caminhos – infiltrar-se pelas sombras, partir para a agressão direta ou manipular socialmente quem estiver no caminho. A fantasia do vampiro imortal que faz o que quer na noite foi trocada por uma experiência mais tensa e contida: poucas horas, muita pressão política entre clãs, decisões de curto prazo com consequências imediatas e pouco espaço para passeios descompromissados.
No papel, fazia todo sentido. Um escopo mais enxuto aumentava as chances de entregar algo mais bem acabado, com menos bugs e menos promessas quebradas. Também permitia explorar melhor aquilo em que a The Chinese Room é tradicionalmente forte: atmosfera, ritmo, ambientação densa e detalhes ambientais que contam história sem precisar de uma cutscene a cada esquina. Em vez de prometer o mundo, a ideia era oferecer um recorte muito específico daquela noite sombria – algo que, se recebesse um selo honesto de aventura standalone no universo Bloodlines, poderia funcionar como porta de reentrada da série no mercado.
Na cabeça de Pinchbeck, o cenário ideal era justamente esse: primeiro lançar um título menor, focado, quase um spin-off de luxo, que lembrasse ao público por que Vampire: The Masquerade funciona tão bem em videogames. Se esse capítulo desse certo, aí sim faria sentido sonhar com um grande projeto de vários anos, pensado desde o início como o sucessor oficial do Bloodlines original, com orçamento compatível e expectativas alinhadas desde o anúncio.
O problema é que marketing não vive de cenários perfeitos. Do ponto de vista comercial, o nome Bloodlines 2 é ouro puro: curto, fácil de lembrar e imediatamente associado a um jogo que qualquer fã de RPG de PC pelo menos já ouviu mencionar. É muito mais simples vender o projeto para parceiros, plataformas e público com esse rótulo. Só que, do lado criativo, essa mesma decisão vira uma armadilha. O título passa a carregar uma promessa de escala, liberdade e grandeza que o produto, de forma realista, nunca poderia alcançar dentro das limitações impostas pelo orçamento e pelo cronograma.
Esse conflito aparece com clareza no resultado final. Olhado isoladamente, Bloodlines 2 funciona como um thriller vampírico competente: sombrio, cheio de intrigas, com missões bem definidas e alguns momentos em que você realmente se sente uma criatura antiga navegando por uma teia de alianças, ameaças e favores. Há toques típicos da The Chinese Room espalhados pelos cenários – objetos, diálogos de fundo e pequenos cantos que sugerem histórias que o jogo não precisa soletrar. Mas, quando a análise é feita sob a lente do herdeiro oficial de um clássico cult, a comparação pesa. Os mapas parecem menores, os sistemas menos profundos, a sensação de cidade viva dá lugar a algo mais teatral, montado para caber no orçamento.
Os números também não gritam triunfo. Com base em estimativas públicas do SteamDB, falamos de algo entre 120 mil e 300 mil cópias vendidas na loja da Valve. É respeitável, especialmente para um projeto turbulento, mas está longe do estouro que obrigaria a Paradox a aprovar outro capítulo ainda mais ambicioso. As vendas em consoles e outras plataformas certamente somam mais algumas dezenas de milhares de unidades, porém, até agora, nada indica um fenômeno capaz de transformar a marca em prioridade máxima dentro do portfólio do publisher.
A recepção crítica segue a mesma linha de meio-termo. Muitos reviewers elogiam o clima, alguns momentos de roteiro e a forma como o jogo, aqui e ali, acerta em cheio a fantasia de ser um predador noturno tentando manter a Máscara intacta em meio a crises e intrigas. Ao mesmo tempo, quase todas as análises citam limitações de estrutura, sinais claros de produção apertada e aquela sensação de que, se houvesse mais um ou dois anos de desenvolvimento e um orçamento maior, o resultado poderia ter ido muito além. O consenso implícito acaba soando mais ou menos assim: vale a pena para quem já gosta do universo ou topa esperar uma boa promoção e alguns patches extras.
No fim das contas, Bloodlines 2 ocupa um lugar curioso. Não é o desastre absoluto que muitos temiam após a troca de estúdio, mas também está longe de ser o renascimento glorioso de uma lenda dos RPGs. É um recorte de realidade: o que acontece quando um time assume um projeto em chamas, corta ambições pela metade, tenta ser honesto dentro de limites duros e ainda precisa lidar com um título que promete muito mais do que a pipeline permite entregar.
Os comentários de Dan Pinchbeck expõem um lado da indústria que raramente aparece em trailers editados e anúncios polidos. Nomes, expectativas, orçamento, prazos e decisões de marketing moldam um jogo tanto quanto qualquer pitch genial ou documento de design. Bloodlines 2 talvez não seja a sequência dos sonhos que os fãs imaginaram ao longo de duas décadas, mas serve como um lembrete incômodo de quanto peso existe em um simples número grudado ao fim de um título famoso – e de como é difícil competir com a memória idealizada de um clássico cult em um mercado que já não perdoa deslizes técnicos em nome da ambição.