A Intel está preparando silenciosamente um dos lançamentos de servidor mais agressivos da sua história recente, e o nome que começa a aparecer em vazamentos é Johnson City. Essa é a plataforma de referência usada dentro das labs da empresa e de seus parceiros para testar a próxima geração de processadores Xeon Diamond Rapids. 
Para quem olha de fora, pode parecer só mais uma linha em um banco de dados de remessas; para quem vive o mundo de data center, é o sinal claro de que o silício já saiu do slide de apresentação e virou hardware real, instalado em racks e submetido a testes pesados.
Os registros de envio mencionam placas JNC Server Board – JNC é justamente a abreviação de Johnson City – marcadas como “Validation Material”. Esse selo normalmente é usado para placas-mãe e plataformas que já estão maduras o suficiente para que fabricantes de servidores validem BIOS, firmware, compatibilidade com memórias, placas PCIe, controladoras de rede e, principalmente, a parte de alimentação elétrica. Ou seja: não é mais protótipo de laboratório jogado na bancada, e sim uma base de referência para produtos comerciais que vão chegar ao mercado nos próximos anos.
O detalhe que mais chama atenção nesses registros é o envelope térmico. Uma das entradas descreve uma configuração “1SPC 500 DMR”, que pode ser interpretada como um sistema de um soquete com TDP de até 500 W para as CPUs Diamond Rapids. Outra sobe a régua ainda mais e aponta 650 W de TDP. Em qualquer cenário, isso coloca a Johnson City e os Xeon Diamond Rapids em um patamar acima até dos já parrudos Granite Rapids. Esses números só fazem sentido se a Intel estiver planejando combinar muitos núcleos, altas frequências sustentadas, grande largura de banda de memória e um volume enorme de linhas de I/O na mesma peça de silício.
De acordo com os roadmaps já comentados pela própria Intel, Diamond Rapids será fabricado no processo Intel 18A, o mais avançado da empresa, e trará núcleos de desempenho baseados na arquitetura Panther Cove. Em rumores de bastidores, surgem configurações com até 192 núcleos, e alguns boatos mais ousados falam até em variantes com 256 núcleos para cenários muito específicos. Nada disso foi confirmado publicamente, mas os TDPs que aparecem na plataforma Johnson City combinam perfeitamente com esse tipo de escala extrema.
A memória é outro ponto que deixa bem claro o foco desse projeto. As informações mais recentes indicam que os Xeon 7 de Diamond Rapids chegarão apenas em versões com 16 canais de memória DDR5, deixando para trás as tradicionais plataformas de 8 canais. À primeira vista isso pode parecer exagero, mas faz todo sentido para o tipo de cliente que a Intel mira aqui. Nuvens públicas, grandes bancos de dados em memória, workloads de inteligência artificial e analytics vivem de largura de banda de memória por soquete. Se um único processador com 16 canais pode entregar o trabalho de vários servidores menores, o custo total de propriedade pode inclusive cair, mesmo com CPUs mais quentes e complexas.
Para dar suporte a tudo isso, Diamond Rapids estreia em um novo e gigantesco soquete: o LGA 9324. A área desse soquete é quase cinco vezes maior que a de um LGA 1700 de desktop e ainda supera o já imenso LGA 7529 usado pelos Granite Rapids. Esse tamanho extra não é capricho de design; é o que permite acomodar uma malha de alimentação robusta o suficiente para 500 a 650 W, dezenas de linhas de memória, um número absurdo de pistas PCIe e uma quantidade generosa de pinos dedicados a sinais de controle, telemetria e aterramento. É a fundação física de uma plataforma que nasceu para rodar entupida de memória, SSDs NVMe, GPUs e aceleradores.
Além da versão de soquete único, os vazamentos citam também uma JNC Multi-S, com numeração 2+1+1S. O “S” costuma indicar o número de soquetes físicos, mas aqui a leitura é mais ampla: pode ser uma placa de referência pensada para testar desde servidores tradicionais de dois soquetes até topologias mais exóticas, em que um grande pacote multi-chiplet de Diamond Rapids é dividido em múltiplos domínios lógicos. Para os OEMs, esse tipo de plataforma é ouro, porque permite experimentar vários formatos de servidor – compactos, densos, orientados a GPU, voltados a memória – antes de bater o martelo nos produtos que chegarão aos catálogos.
Quando a gente coloca Diamond Rapids no contexto da família Xeon recente – com nomes como Clearwater Forest, Granite Rapids, Sierra Forest, Emerald Rapids e Sapphire Rapids – a estratégia da Intel fica mais clara. De um lado, linhas de alta densidade baseadas em núcleos de eficiência, pensadas para cargas de trabalho cloud-native e microserviços. Do outro, monstros como Diamond Rapids, com núcleos de alto desempenho, muita cache e infraestrutura de memória/I/O agressiva, mirando bancos de dados gigantes, aplicações de missão crítica, analytics pesado e inferência de IA em larga escala.
Hoje, plataformas como Granite Rapids e Sierra Forest já chegam a centenas de núcleos, oferecem até 12 canais de DDR5 e um volume impressionante de cache L3. Diamond Rapids, em cima da Johnson City, parece querer ir além: mais canais de memória (16 por soquete), frequências de DDR5 mais altas, TDPs superiores e, tudo indica, a transição natural para PCI Express 6.0 em configurações de servidor topo de linha. Em comparação com gerações como Emerald Rapids ou mesmo Sapphire Rapids, que giravam na casa de 350 W, estamos falando de uma nova liga de CPU para data center.
PCIe é peça central dessa história. Em um mundo em que cada servidor sério precisa conversar com um enxame de GPUs, aceleradores para IA, placas de rede de 100/200/400 GbE e storage NVMe em massa, o gargalo não pode ser o processador. Lá atrás, na era do Skylake-SP, PCIe 3.0 com menos de 50 pistas parecia suficiente. Hoje, com PCIe 5.0 espalhado e a próxima geração batendo à porta, Diamond Rapids tem praticamente a obrigação de entregar um caminhão de pistas, e Johnson City é o palco onde isso está sendo colocado à prova.
Logo depois de Diamond Rapids, o roadmap aponta para Coral Rapids, uma geração que deve trazer de volta o SMT (hyper-threading) em configurações selecionadas, após um período em que a Intel flertou com a ideia de manter cada núcleo focado em um único thread no data center. Essa ida e volta mostra o quão volátil ficou o mercado: fabricantes estão dispostos a revisar dogmas antigos e misturar núcleos diferentes, políticas de threads e tamanhos de cache até encontrar o melhor equilíbrio entre desempenho por watt, densidade de rack e previsibilidade sob cargas de nuvem.
Naturalmente, tudo isso tem um alvo em mente: os AMD Epyc, em especial a futura geração Venice. A expectativa é que Diamond Rapids chegue por volta da segunda metade de 2026, entrando direto em confronto com os novos Epyc em licitações de grandes data centers, provedores de nuvem e empresas gigantes. A AMD vem de uma sequência forte com Naples, Rome, Milan, Genoa, Bergamo e Turin, sempre empurrando core count, processo avançado e eficiência energética. Para a Intel não basta empatar na ficha técnica; ela precisa mostrar que a combinação Johnson City + Diamond Rapids entrega mais memória, mais I/O e desempenho mais consistente em softwares reais.
Do ponto de vista de quem compra servidor, a pergunta acaba sendo bem pragmática: um único processador de 500–650 W vale a pena frente a vários nós menores e mais econômicos? A resposta pode surpreender. Se esse Xeon conseguir consolidar workloads, rodar mais VMs por soquete, lidar com bancos de dados maiores ou dar vazão a clusters de IA com menos máquinas, o custo total de propriedade pode jogar a favor do “monstro” de 650 W. É contra esse cálculo que Diamond Rapids será medido, muito mais do que contra números bonitos de benchmark sintético.
Por enquanto, faltam dados finais de frequência, preços e configurações fechadas, mas só o fato de vermos as placas Johnson City aparecendo em registros de remessa já muda o tom da conversa. A próxima rodada da guerra de CPUs para servidor não está mais só nos slides: ela está em placas de validação, em racks de teste e em planilhas de engenheiros que comparam desempenho, consumo e confiabilidade ao longo de meses. Quando os reviews independentes começarem a pingar, saberemos se a aposta pesada da Intel com Johnson City e Diamond Rapids foi suficiente para encostar – ou quem sabe ultrapassar – os Epyc Venice em pelo menos parte dos cenários. Até lá, o que não vai faltar é discussão acalorada em fórum e seção de comentários.