
OnePlus 15: quando o superaquecimento vira crise de imagem
O OnePlus 15 ainda nem chegou oficialmente às mãos de todo mundo, mas já virou protagonista de uma novela típica da era das redes sociais. O que começou como um relato técnico sobre superaquecimento acabou se transformando em uma discussão muito maior sobre confiança, transparência e até possível censura. Tudo por causa de um post apagado no X, antigo Twitter, e de um chipset tão poderoso quanto faminto por energia.
O gatilho da história foi o relato do tipster e reviewer Debayan Roy. Ele publicou no X que o seu aparelho de review do OnePlus 15 esquentou demais durante uma gravação de vídeo em 4K a 60 fps ao ar livre, em pleno inverno. Segundo ele, em cerca de cinco minutos de gravação a temperatura do telefone teria chegado perto dos 50 graus Celsius. O resultado foi o fim automático da filmagem e, por alguns instantes, a câmera simplesmente deixou de abrir.
Roy fez questão de deixar claro que, no uso do dia a dia, o OnePlus 15 se comportou normalmente. Em tarefas comuns, como redes sociais, navegação, mensagens e fotos rápidas, o aparelho teria se mantido estável, sem se transformar em uma chapa quente na mão do usuário. O problema aparece quando o Snapdragon 8 Elite Gen 5 é exigido por longos períodos, especialmente em situações que misturam gravação pesada, brilho alto de tela e processamento intenso de imagem.
Snapdragon 8 Elite Gen 5: performance de notebook em corpo de celular
A raiz técnica da polêmica está no coração do aparelho. O Snapdragon 8 Elite Gen 5 é um dos chips móveis mais agressivos já lançados pela Qualcomm. Em cenários de estresse, ele pode puxar algo em torno de 22 W de potência, número que não ficaria deslocado em um ultrabook fino. A diferença é que um notebook tem espaço para dissipadores grandes, carcaça metálica e ventoinhas ruidosas; o smartphone, não.
Para colocar em perspectiva, muitos notebooks finos trabalham nessa mesma faixa de potência com direito a ventoinha girando a milhares de rotações por minuto e um sistema de heatpipes dedicado. Há ainda os notebooks gamer com processadores como o Intel Core i9-14900HX, que podem ficar em torno de 15 W já em repouso e batem temperaturas superiores a 60 graus mesmo com um pacote robusto de refrigeração ativa. Agora imagine concentrar esse tipo de consumo em um bloco pequeno de vidro e alumínio, colado à sua mão e sem uma única ventoinha.
É por isso que os fabricantes de celulares investem tanto em câmaras de vapor maiores, folhas de grafite, materiais internos otimizados e algoritmos inteligentes de controle de temperatura. A OnePlus afirma que a câmara de vapor do OnePlus 15 é bem maior que a geração anterior e é capaz de dissipar até o dobro de calor. Isso ajuda a manter o aparelho relativamente frio na navegação cotidiana, mas não faz milagres quando o chip fica vários minutos no limite.
Testes sintéticos, uso real e limites físicos
Os primeiros testes de benchmarks já indicavam que o OnePlus 15 não gosta muito de cargas constantes como 3DMark Wild Life Extreme ou longas sessões de jogos pesados. Assim como praticamente todo topo de linha recente, o aparelho tende a esquentar e, passado um certo ponto, reduzir frequências para não estourar seus limites térmicos. O famoso thermal throttling é, em alguma medida, inevitável; a questão é quanto tempo o aparelho aguenta antes de chegar lá e como ele se comporta depois.
A anedota de Roy sobre a gravação em 4K60 encaixa perfeitamente nesse contexto. Gravar vídeo em alta resolução ao ar livre costuma exigir muito da CPU, da GPU, do ISP e ainda forçar o brilho máximo da tela. Se, mesmo em clima frio, o aparelho chega rapidamente perto dos 50 graus e decide cortar a gravação e bloquear temporariamente a câmera, é natural que surja a preocupação com o que pode acontecer em um dia quente de verão, numa praia cheia ou num show lotado.
Do bug técnico ao efeito Streisand
Até aqui, estaríamos falando de um problema chato, mas relativamente comum no universo Android: chip poderoso demais, espaço físico de menos e um fabricante tentando equilibrar desempenho e conforto térmico. O ponto de virada veio quando o post de Roy desapareceu. De acordo com o próprio tipster, a OnePlus teria pedido que ele apagasse a publicação, porque o foco, supostamente, deveria ser nos pontos positivos do aparelho, e não nos deslizes.
A partir desse momento, a discussão deixou de ser apenas sobre temperatura para girar em torno de imagem de marca. A tentativa de controlar a narrativa rapidamente gerou o clássico efeito Streisand: aquilo que podia ficar restrito à bolha de entusiastas passou a chamar a atenção de todo mundo. Em fóruns e redes sociais, começaram a pipocar comentários sobre fabricantes que não aceitam críticas, sobre testes de qualidade feitos apenas para agradar marketing e sobre como desde a geração do Snapdragon 888 os topos de linha vêm esquentando mais do que o ideal.
Em vez de uma conversa aberta sobre firmware, curvas térmicas e possíveis ajustes via atualização, o que o público percebe é um empurrão de bastidor para diminuir o barulho. Em tempos de internet hiperconectada, isso costuma ser um tiro no pé. Quando o consumidor sente cheiro de censura, ele não só passa a desconfiar da empresa como também amplifica qualquer relato negativo que aparece.
O que o comprador do OnePlus 15 deve levar em conta
Também é importante não cair no extremo oposto. Um relato isolado de superaquecimento em unidade de review não significa automaticamente que todos os OnePlus 15 vão se comportar exatamente da mesma forma. Há variação entre unidades, versões de software e perfis de uso. Atualizações de sistema podem mudar completamente o comportamento térmico, seja limitando picos de desempenho, seja refinando a forma como o aparelho decide quando reduzir frequência ou encerrar uma gravação.
Para quem usa o celular principalmente para redes sociais, fotos rápidas, mensageria e jogos mais leves, é bem provável que o OnePlus 15 ofereça uma experiência rápida e fluida sem dramas. O alvo da polêmica são os cenários de uso extremo: criadores de conteúdo que gravam longos trechos em 4K ou 4K60, gamers hardcore que passam horas em jogos pesados e usuários que vivem com o aparelho no brilho máximo sob sol forte.
Superaquecimento é compreensível, silêncio não
No fim das contas, a parte técnica da história é relativamente simples: enfiar um chip que pode puxar até 22 W dentro de um corpo fino, sem ventilação ativa, inevitavelmente vai gerar calor. A física não negocia. O que realmente define a percepção do público é como a marca escolhe lidar com isso. Admitir limites, explicar como funciona a proteção térmica e assumir o compromisso de melhorar via software é desconfortável, mas gera confiança.
Tentar varrer o problema para debaixo do tapete, por outro lado, costuma sair caro. O caso do OnePlus 15 mostra que, em 2020 e tantos, não basta ter um flagship rápido; é preciso ter comunicação madura e transparente. O usuário entende que celulares potentes esquentam. O que ele não aceita é a sensação de que a parte incômoda da história está sendo apagada junto com um post no X.