A União Europeia decidiu colocar X, a antiga Twitter, na linha. A Comissão Europeia aplicou uma multa de 120 milhões de euros, algo em torno de 140 milhões de dólares, acusando a plataforma de usar um selo azul enganoso e de falhar em regras básicas de transparência sobre anúncios e acesso a dados. 
É uma das primeiras grandes provas de fogo da Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês) e um recado direto para todas as grandes redes: se o design da interface confunde o usuário sobre quem é confiável e esconde quem paga pela propaganda, isso deixa de ser detalhe visual e vira problema regulatório.
Do velho verificado ao selo azul de assinatura
Durante anos, o selinho azul no Twitter tinha um significado relativamente claro. Em geral, ele aparecia em perfis de jornalistas, autoridades públicas, artistas, esportistas, marcas e instituições que passaram por algum tipo de checagem interna. Para quem via o ícone na timeline, a mensagem era simples: este perfil é, com boa probabilidade, quem diz ser. Não era um sistema perfeito, mas ajudava a separar contas oficiais de imitadores, paródias e golpistas.
Com a compra da empresa por Elon Musk, tudo isso foi desmontado e substituído por um modelo de assinatura. O antigo programa de contas verificadas foi esvaziado, as marcas herdadas foram sumindo e o mesmo selo passou a ser oferecido como benefício pago, dentro de um pacote Premium. Hoje, em muitos casos, o que define quem tem ou não o badge azul não é relevância pública nem autenticidade, mas o fato de o usuário ter colocado um cartão de crédito e topado uma mensalidade.
O problema, na visão da Comissão Europeia, é que a linguagem visual do produto não acompanhou essa mudança. O símbolo continua sugerindo verificação de identidade, enquanto o processo real faz pouca ou nenhuma checagem de quem está por trás da conta. Muita gente, acostumada com anos de uso do Twitter, ainda interpreta o selo como um atalho de confiança, quando na prática ele se tornou um rótulo de assinante. A situação piora quando o pacote pago inclui vantagens como maior destaque algorítmico, possibilidade de receber parte da receita de anúncios e até acesso a recursos como lives, que em outras redes são gratuitos. Na prática, é um empurrão para que usuários assinem para tentar viver de engajamento, mesmo que isso signifique publicar ragebait atrás de ragebait.
DSA, dark patterns e o dever de transparência
A DSA obriga as grandes plataformas a evitar os chamados dark patterns, padrões de design e usabilidade feitos para manipular escolhas do usuário, esconder informações importantes ou induzir cliques e assinaturas que a pessoa talvez não faria com tudo bem explicado. Para Bruxelas, a combinação de símbolo de verificação com um plano pago que não verifica quase nada é justamente esse tipo de artifício.
O processo também mirou o arquivo de anúncios de X, um repositório que, em teoria, deveria permitir que qualquer pessoa, em especial pesquisadores e sociedade civil, veja que campanhas rodaram na plataforma, qual era o conteúdo dos anúncios, qual o tema principal e qual empresa ou entidade jurídica pagou a conta. Esses bancos de dados são fundamentais para detectar golpes, campanhas coordenadas de desinformação, operações de influência estrangeira e anúncios políticos disfarçados.
Na prática, diz a Comissão, o repositório de X falha nesse papel. A ferramenta é lenta, cheia de atritos de uso e, em alguns casos, adiciona atrasos tão grandes que inviabilizam pesquisas em larga escala. Pior: faltam justamente os dados mais críticos. Muitas entradas não trazem o conteúdo completo do anúncio, não classificam direito o tema da campanha e não deixam claro qual pessoa jurídica está financiando aquela peça. Ou seja, o que deveria funcionar como um grande holofote de transparência acaba virando uma lanterna fraca, com a luz apontada para o lugar errado.
Barreiras a pesquisadores e frustração de usuários
Outro ponto central da decisão diz respeito ao acesso de pesquisadores a dados públicos da plataforma. A DSA garante que acadêmicos e organizações independentes, uma vez autorizados, possam acessar certos conjuntos de dados justamente para estudar riscos sistêmicos: discurso de ódio, campanhas coordenadas, impacto em eleições, proteção de menores e assim por diante. X, no entanto, caminhou na direção oposta: restringiu scraping de forma agressiva, encareceu e limitou o uso de APIs, complicou o processo de pedido de acesso e criou barreiras contratuais e técnicas que poucas universidades conseguem superar.
Para a Comissão, isso não é simples escolha de modelo de negócios, mas uma forma de esvaziar, na prática, o direito previsto em lei. Sem esse olhar externo, fica muito mais difícil entender como funcionam os algoritmos de recomendação de X, qual o alcance real de campanhas tóxicas e com que rapidez a plataforma reage a abusos.
No meio de toda essa discussão jurídica, aparecem as reclamações mais pé no chão dos próprios usuários. Muita gente sente falta da antiga verificação legado, em que, com todos os defeitos, a galera pelo menos tinha uma noção de quem era de verdade e quem estava só fazendo personagem. Agora, a timeline parece um mix confuso de contas anônimas, perfis com selo pago tentando viralizar a qualquer custo e anúncios com rótulos pouco claros. Tem quem zombe dizendo que assinar o Premium só para postar thread raivosa e ganhar alguns centavos de volta é o cúmulo do cringe. Outros se irritam por ver funções básicas, como transmissões ao vivo, trancadas atrás de um paywall, enquanto concorrentes oferecem algo parecido de graça ou com bem menos amarras.
Prazos apertados para X e recado para o resto da indústria
A partir da decisão, X tem 60 dias úteis para apresentar medidas concretas para corrigir os problemas ligados ao selo azul e 90 dias para consertar o repositório de anúncios e as políticas de acesso a dados de pesquisa. A empresa terá de enviar um plano de ação detalhado, que será analisado primeiro pelo Conselho de Serviços Digitais e depois pela própria Comissão Europeia, responsável por bater o martelo final e definir um prazo razoável de implementação.
Se a resposta de X for tímida demais ou se a plataforma tentar empurrar as mudanças com a barriga, o DSA permite novas sanções, incluindo multas adicionais calculadas sobre o faturamento global do grupo. Outras big techs acompanham o caso de perto, porque ele deixa claro que o regulador europeu não vai olhar só para remoção de conteúdo ilegal, mas também para escolhas de design e barreiras de acesso a dados que afetem diretamente a transparência e a segurança dos usuários.
Para quem usa a rede no dia a dia, o desfecho dessa novela deve aparecer em detalhes bem concretos: se o selinho azul vai voltar a significar alguma verificação de verdade ou continuar apenas como etiqueta de quem paga; se o arquivo de anúncios finalmente vai permitir entender quem está tentando influenciar quem; e se pesquisadores independentes na Europa conseguirão, de fato, estudar os efeitos da plataforma sem esbarrar em um muro de proibições. Se a resposta continuar negativa, a pressão política e regulatória sobre X só tende a aumentar.