
Krafton, ChatGPT e o bônus de US$ 250 milhões de Subnautica 2: quando o futuro de IA esbarra na velha política corporativa
Quando uma gigante de games anuncia que quer se tornar uma empresa ‘AI-first’, o que os jogadores imaginam normalmente é outra coisa: NPCs mais espertos, mundos mais vivos, ferramentas que facilitem a vida de artistas e programadores. O que quase ninguém imagina é ver o CEO abrindo um chat com uma IA para perguntar se existe uma brecha para não pagar um bônus milionário à própria equipe. Mas é exatamente esse o quadro descrito em novos documentos do processo que opõe a Krafton à Unknown Worlds, estúdio responsável por Subnautica.
Segundo um memorando pré-julgamento, o diretor-executivo da Krafton, Changham Kim, teria recorrido ao ChatGPT para tentar descobrir se havia algum jeito de escapar de um earn-out – um bônus variável – que poderia chegar a 250 milhões de dólares caso Subnautica 2 atingisse metas de vendas específicas. A partir daí, os fundadores da Unknown Worlds acusam a empresa-mãe de ter montado uma estratégia para atrasar o lançamento, derrubar a antiga liderança e, na prática, nunca deixar esse cheque enorme sair da conta. A Krafton nega, diz que sempre pensou primeiro nos fãs e sustenta que o jogo simplesmente não estava pronto. Entre essas duas narrativas, ficou uma comunidade perplexa assistindo ao drama se desenrolar.
De indie cult a aquisição com bônus de nove dígitos
Para entender o peso dessa disputa, é importante lembrar o caminho da Unknown Worlds. Subnautica não nasceu como superprodução, e sim como um projeto relativamente pequeno que cresceu com o boca a boca. A ideia de ser jogado em um planeta quase todo coberto por água, combinando exploração, sobrevivência e narrativa ambiental, deu muito certo. O jogo virou sinônimo de imersão, pavor silencioso nas profundezas e descoberta constante. Com o tempo, tornou-se presença obrigatória em listas de ‘indies que você precisa jogar pelo menos uma vez’.
Esse sucesso naturalmente chamou a atenção de grandes grupos. A Krafton, conglomerado sul-coreano conhecido por PUBG, acabou adquirindo a Unknown Worlds. O acordo não foi apenas um pagamento à vista: incluía um earn-out robusto, ou seja, uma promessa de bônus futuro vinculado ao desempenho de Subnautica 2. Se o jogo atingisse determinadas metas de vendas em um período definido, a soma poderia chegar a US$ 250 milhões. Na teoria, todos ganham: a Krafton compra uma IP forte com um time experiente ainda motivado, e os fundadores e funcionários têm a chance de participar de um prêmio histórico caso o novo jogo repita – ou supere – o sucesso do anterior.
Na prática, porém, estruturas de earn-out frequentemente se tornam fontes de tensão. Enquanto o dinheiro ainda está no papel, qualquer mudança de cronograma, de escopo ou de liderança passa a ser vista com desconfiança. Onde alguns enxergam decisões de negócio, outros veem manobras para reduzir ou evitar o pagamento. No caso de Subnautica 2, essa linha tênue acabou rompida em público.
O que alegam os fundadores: Project X e uma consulta incômoda ao ChatGPT
O novo documento apresentado pelos advogados de Charlie Cleveland, Ted Gill e Max McGuire tenta reconstruir o clima dentro da Krafton à medida que Subnautica 2 se aproximava do que o time considerava a janela ideal para acesso antecipado. A peça afirma que, em conversas internas, Changham Kim passou a encarar o earn-out como algo potencialmente desastroso – não apenas do ponto de vista financeiro, mas também de reputação. Pagar centenas de milhões a uma equipe relativamente pequena, segundo a versão dos fundadores, seria visto como sinal de fraqueza em futuras negociações com outras empresas.
É nesse contexto que surge o episódio do ChatGPT. De acordo com o documento, Kim, descrito como ‘desesperado para evitar um constrangimento profissional’, teria literalmente pedido ajuda à IA para ‘brainstormar’ maneiras de cancelar ou driblar a obrigação de pagar o bônus. O chatbot, seguindo a lógica jurídica mais óbvia, teria respondido que seria difícil cancelar o earn-out se as metas de vendas fossem atingidas conforme estabelecido em contrato. Em outras palavras: se Subnautica 2 vendesse o que precisava vender, não haveria mágica. Para os fundadores, esse momento simboliza o ponto em que a discussão deixou de ser sobre qualidade de jogo e passou a girar em torno de como impedir que o sucesso disparasse o gatilho do bônus.
Demissões, novo comando e o choque da comunidade
Do lado de fora, para quem acompanha apenas notícias de games, a bomba estourou de maneira brusca. Em 2 de julho, veio à tona que os três fundadores da Unknown Worlds tinham sido demitidos. No lugar deles, a Krafton nomeou Steve Papoutsis, ex-chefe da Striking Distance Studios. O comunicado oficial falava em ‘reforçar a liderança’ e ‘garantir o jogo que os fãs merecem’, sem entrar em detalhes sobre o porquê de substituir justamente as pessoas que criaram Subnautica.
A reação da comunidade foi imediata. Muita gente associava diretamente a identidade do jogo à visão dos fundadores, e a ideia de Subnautica 2 seguir em frente sem eles parecia estranha, para dizer o mínimo. No dia seguinte, o site oficial da Unknown Worlds publicou uma nota tentando tranquilizar os fãs: o projeto continuava, o time estava comprometido, e o foco seguia na qualidade. O texto, porém, não explicava o motivo da ruptura.
Então, em 4 de julho, Charlie Cleveland soltou a declaração que mudou o tom do debate. Ele afirmou publicamente que, na visão da equipe, Subnautica 2 já estava pronto para acesso antecipado e que as demissões foram um choque completo para os fundadores. Essa fala, além de surpreender geral, colidia diretamente com o discurso que a Krafton adotaria depois, de que o jogo estaria longe de atingir um nível aceitável de polimento.
O bônus de US$ 250 milhões como linha de ruptura
O elemento que transformou uma troca de acusações em um escândalo de proporções internacionais apareceu em 9 de julho. Uma reportagem revelou que a Krafton teria considerado internamente adiar Subnautica 2 principalmente para evitar o pagamento do earn-out de até US$ 250 milhões. A lógica era simples: sem lançamento dentro da janela combinada, não haveria como bater as metas exigidas, e o bônus não precisaria ser pago.
Poucas horas depois da reportagem, o adiamento de Subnautica 2 foi oficialmente confirmado. A justificativa da Krafton foi inteiramente centrada na qualidade: resultados de playtests internos, falta de conteúdo, necessidade de mais tempo para entregar algo à altura das expectativas. Para o público que não estava acompanhando os detalhes do acordo financeiro, poderia parecer um caso clássico de ‘melhor atrasar do que lançar quebrado’. Mas, depois de saber da existência do bônus gigantesco, ficou difícil não enxergar o anúncio com outros olhos.
Na versão dos fundadores, o adiamento foi a primeira peça de um dominó cuidadosamente alinhado: travar o lançamento, mudar a liderança, reescrever a narrativa em torno do estado do jogo e, assim, reduzir ao máximo a chance de que as metas de earn-out fossem alcançadas. Na versão da Krafton, era simplesmente um movimento necessário para evitar que Subnautica 2 saísse imaturo demais.
A versão da Krafton: líderes ausentes, foco desviado e arquivos confidenciais
Em 10 de julho, a empresa partiu para o contra-ataque público. Nos comunicados oficiais, a Krafton acusou Cleveland, Gill e McGuire de terem, na prática, abandonado suas funções. Argumentou que eles estariam dedicando tempo demais a interesses pessoais e de menos a Subnautica 2. O exemplo mais repetido foi o envolvimento de Cleveland com cinema, apresentado como prova de que sua atenção estaria voltada para outros projetos.
Os fundadores rebatem esse ponto com outra leitura: para eles, o interesse em cinema fazia parte de uma expansão natural do universo de Subnautica, que incluía conversas sobre uma possível adaptação. Em mensagens internas citadas no memorando, a própria Krafton teria discutido a ideia de incorporar oficialmente esses esforços ao papel de Cleveland, caso a chance de um filme avançasse. Em resumo, aquilo que depois foi descrito como ‘desvio de foco’ já teria sido, em algum momento, considerado uma oportunidade estratégica.
Na mesma data, os três fundadores protocolaram uma ação judicial contra a Krafton. A resposta da empresa viria em ondas, tanto em tribunais quanto na imprensa. Em documentos posteriores, a Krafton afirmou que os ex-executivos não apenas falharam em suas responsabilidades como gestores, como também teriam retido indevidamente centenas de milhares de arquivos confidenciais de Unknown Worlds e da própria Krafton, antes e depois da demissão, e que não teriam preservado adequadamente certos dados ao deixar a empresa. Do outro lado, a defesa dos fundadores nega essa narrativa e afirma que o objetivo é desviar o foco do que realmente motivou as mudanças.
Project X, plano de tomada e a disputa pelo microfone da comunidade
O memorando pré-julgamento dos fundadores não se limita a relatar a consulta ao ChatGPT. Ele descreve também um suposto conjunto de estratégias internas da Krafton, reunidas sob o codinome ‘Project X’. De acordo com o documento, o projeto envolvia usar as checagens de milestones de Subnautica 2 não apenas como ferramenta de controle de qualidade, mas como base para construir um dossiê que justificasse atrasos.
Talvez o trecho mais inquietante para os fãs seja a menção a um ‘Take-Over Scenario’ – um plano de contingência em que a Krafton tomaria o controle direto do site oficial e das redes sociais da Unknown Worlds. A ideia, segundo o texto, seria acionar esse plano caso os fundadores se recusassem a renegociar as condições do earn-out. Em outras palavras, se eles não aceitassem mudar os termos do bônus, a Krafton estaria pronta para assumir o comando da imagem pública do estúdio, falando em nome da marca sem a participação de quem a criou.
Para uma comunidade que sempre viu a Unknown Worlds como um estúdio relativamente independente, transparente e próximo dos jogadores, a possibilidade de uma tomada de controle tão agressiva soa como um pesadelo. Ainda que boa parte dessas alegações precise ser avaliada em tribunal, o simples fato de elas estarem no centro do debate já é suficiente para abalar a confiança de muita gente.
A ironia da era da IA: quando bots resumem uma história sobre bots
No meio dessa novela, surgiu um detalhe que virou piada entre os leitores: um deles contou que usou o CoPilot para resumir os longos textos sobre o caso. É compreensível – documentos judiciais são densos, cheios de formalismos e datas. Só que o contexto torna a cena quase cômica: uma IA sintetizando os desdobramentos de um processo em que outra IA teria sido consultada justamente para encontrar maneiras de não pagar desenvolvedores humanos.
Nos últimos anos, ferramentas de inteligência artificial foram vendidas à indústria de games como uma espécie de super assistente: ajudam artistas com referência visual, designers com protótipos, roteiristas com primeiros rascunhos, programadores com sugestões de código. No conflito entre Krafton e Unknown Worlds, a IA aparece num papel bem menos glamouroso: o de mais uma engrenagem na máquina de tomada de decisão corporativa, sendo acionada com perguntas sobre contratos e maneiras de minimizar desembolsos.
É importante frisar que nem ChatGPT, nem CoPilot decidem nada. Eles não rasgam contratos, não alteram cláusulas, não apertam o botão de ‘pagar’ ou ‘não pagar’. O problema aqui não é a ferramenta em si, e sim o tipo de pergunta que se decide fazer a ela. Quando o discurso público é de que IA existe para ’empoderar criadores’, mas os bastidores mostram bots sendo usados em conversas sobre como reduzir pagamentos a esses mesmos criadores, a confiança no tal futuro ‘AI-first’ começa a rachar.
Outra narrativa: jogo pronto, sabotagem e qualidade como cortina de fumaça
Se a Krafton insiste que o adiamento de Subnautica 2 foi motivado por problemas reais de conteúdo e polimento, os fundadores pintam um quadro bem diferente. De acordo com a ação deles, os testes internos de jogo indicavam que o projeto estava maduro o bastante para um acesso antecipado. Em um dos documentos anteriores, é mencionado inclusive um encontro em que Kim teria admitido que pagar o bônus poderia ser ‘financeiramente desastroso’ e ‘enormemente constrangedor’ para a empresa.
Na visão dos fundadores, quando o impacto do earn-out ficou claro, a narrativa em torno do estado do jogo começou a mudar. Feedbacks que antes eram usados como base normal para ajustes habituais de desenvolvimento teriam passado a ser reempacotados como justificativa para travar o lançamento inteiro. A palavra usada por eles é forte: sabotagem. Segundo a defesa, atrasar Subnautica 2 deixou de ser uma discussão técnica e virou um objetivo em si – a ferramenta escolhida para impedir que as metas de bônus fossem alcançadas dentro da janela contratual.
A Krafton, por sua vez, se mantém firme no discurso de que os três eram líderes ausentes, focados em outros projetos, e que a empresa tinha não só o direito, mas a obrigação de intervir. Ao adicionar às acusações o suposto mau uso de documentos confidenciais e a não preservação de certos arquivos após a saída dos executivos, o grupo tenta enquadrar o conflito como uma questão de responsabilidade corporativa, e não apenas de dinheiro.
Uma linha do tempo que virou roteiro de thriller
Com tantas idas e vindas, o caso já parece roteiro de série. Em resumo, a sequência de eventos pode ser lida assim:
- 2 de julho: vem a público que os fundadores da Unknown Worlds – Ted Gill, Max McGuire e Charlie Cleveland – foram demitidos. Steve Papoutsis assume a liderança. A Krafton fala em compromisso com o melhor jogo possível, mas não explica claramente o motivo das demissões.
- 3 de julho: o site oficial de Unknown Worlds publica uma carta aos fãs garantindo que Subnautica 2 segue em desenvolvimento e que a equipe continua focada, sem detalhar o que levou à troca no topo.
- 4 de julho: Cleveland declara que Subnautica 2, na avaliação da equipe, já estava pronto para acesso antecipado, e descreve as demissões como um choque. A fala entra em choque com o discurso posterior da Krafton sobre a suposta ‘imaturidade’ do projeto.
- 9 de julho: reportagem aponta que a Krafton estaria adiando Subnautica 2 para não precisar pagar o earn-out de US$ 250 milhões. Horas depois, o adiamento é confirmado oficialmente, com justificativa focada em qualidade e feedback de testes internos.
- 10 de julho: a Krafton reage acusando os fundadores de terem ‘abandonado’ seus cargos para seguir interesses pessoais. A empresa também afirma que cerca de 90% do potencial bônus iria para o trio, com o restante dividido entre funcionários. No mesmo dia, Gill, Cleveland e McGuire entram com um processo contra a Krafton.
- 11 de julho: um documento interno de revisão de milestone de Subnautica 2 vaza no Reddit. Ele lista problemas de conteúdo e estrutura que parecem apoiar o discurso da Krafton. Em 13 de julho, a empresa confirma que o documento é autêntico.
- 17 de julho: quando o processo dos fundadores se torna público, surgem alegações de que a Krafton teria sabotado deliberadamente Subnautica 2 para garantir um atraso e que o CEO chegou a admitir, em conversa privada, que pagar o bônus poderia ser ‘financeiramente desastroso e extremamente constrangedor’ para a companhia.
- 12 de agosto: a Krafton apresenta sua resposta formal, reforçando a imagem dos fundadores como líderes ausentes e defendendo que o jogo não estava pronto para acesso antecipado.
- fim de agosto: a própria Unknown Worlds, já sob nova gestão, move um processo separado contra os ex-fundadores, acusando-os de má conduta, incluindo suposto roubo de informações confidenciais e tentativa de obter benefício pessoal em detrimento da empresa.
- 19 de setembro: um relatório indica que o tribunal rejeitou dois pedidos da Krafton, e analistas apontam que a empresa aparenta ter suavizado ou alterado um de seus argumentos centrais sobre o motivo da demissão dos fundadores.
- 24 de setembro: novos documentos da Krafton alegam que os fundadores levaram consigo o que seria, na prática, um ‘blueprint’ de Subnautica, apresentado como prova de que pretendiam lançar um projeto concorrente baseado nas mesmas ideias.
A essa cronologia já complexa somam-se agora os detalhes do Project X, do Take-Over Scenario e da consulta ao ChatGPT. Resultado: o que começou como uma disputa sobre liderança de estúdio e qualidade de jogo virou um caso emblemático sobre dinheiro, poder e o papel da IA nas camadas mais altas da indústria.
O que está em jogo para desenvolvedores e jogadores
Por trás de tantos números e nomes, há questões bem concretas. Para quem trabalhou em Subnautica e Subnautica 2, o earn-out era mais que um prêmio para três fundadores. Segundo eles, havia a intenção de compartilhar esse dinheiro com a equipe – algo que, mesmo sem detalhes completos, já alimentava o imaginário interno. Era o tipo de oportunidade que pode mudar a vida de muita gente e financiar anos de novos projetos.
Se o tribunal eventualmente entender que o earn-out foi manipulado, sabotado ou esvaziado por decisões que tinham mais a ver com medo de desembolso do que com qualidade, o recado para o resto da indústria será claro: números gigantes em relatórios de aquisição não significam, automaticamente, dinheiro no bolso de quem cria os jogos. Cada cláusula passa a ser vista com mais ceticismo, e cada promessa de ‘bônus histórico’ vira também um potencial campo minado.
Por outro lado, se a Justiça der razão à Krafton, a leitura será outra: earn-outs são válidos, mas exigem supervisão rigorosa, e grupos que compram estúdios continuam tendo o direito de intervir quando acharem que a liderança original não está entregando o que foi combinado. Nesse cenário, a mensagem para novos acordos é que números ambiciosos virão acompanhados de camadas extras de controle, e não apenas de confiança.
Para os jogadores, o drama jurídico é, na melhor das hipóteses, barulho de fundo. Uma parte da comunidade admite sem rodeios que não lê tudo; alguns assumem que ‘nem chegaram ao fim da matéria’, outros comentam que pediram para um bot resumir a confusão em meia dúzia de linhas. Mas mesmo quem está distante já percebeu o essencial: enquanto estúdio e publisher brigam, Subnautica 2 segue preso entre expectativas e processos.
AI-first na prática: símbolo de uma nova fase (nem tão futurista assim)
A Krafton adora falar sobre o futuro de IA: investimentos em modelos generativos, promessas de automação inteligente, apresentações recheadas de palavras de efeito. Dentro desse contexto, a cena do CEO perguntando a um chatbot como evitar um pagamento milionário é poderosa justamente por ser simples demais. Ela resume um medo muito real dentro da indústria: de que ferramentas de IA, em vez de serem usadas para aliviar a carga criativa, acabem sendo mobilizadas como parte de estratégias de custo e controle.
Claro, executivos de diferentes setores testam IA o tempo todo, e pedir a opinião de um bot não significa que se vá seguir o conselho ao pé da letra. Mas símbolos importam. Em um momento em que artistas, roteiristas e programadores já temem ser trocados, comprimidos ou pressionados em nome da eficiência, histórias em que a IA entra em cena para discutir caminhos de não pagamento reforçam o lado mais distópico desse debate.
Mesmo que no final a Krafton prove em juízo que suas decisões foram juridicamente corretas, a imagem pública de ’empresa de IA’ já saiu arranhada deste episódio. A mensagem que muitos desenvolvedores extraem é simples: se até um bônus amarrado a metas claras pode virar alvo de manobra, quantas vezes mais veremos a história se repetir quando o assunto for contratação, terceirização ou uso massivo de conteúdo gerado por máquina?
E o futuro de Subnautica 2?
No meio desse furacão jurídico, Subnautica 2 continua em um lugar estranho. De um lado, é um dos jogos mais aguardados da cena, herdeiro de um título que marcou época e mostrou como um universo subaquático pode ser mais assustador que muitos horrores espaciais. De outro, cada notícia nova sobre o projeto parece menos sobre criaturas alienígenas e mais sobre advogados, atas de reunião e trocas de e-mails.
Quanto mais tempo o caso se arrasta, mais difícil será separar a recepção do jogo do julgamento sobre tudo que aconteceu nos bastidores. Qualquer atraso adicional ou mudança de rumo de design será lido pelo público à luz desse conflito. Mesmo que o resultado final seja excelente, a história do desenvolvimento de Subnautica 2 já está marcada por essa disputa, e dificilmente será contada sem passar pelo episódio do bônus e da consulta ao ChatGPT.
No fim das contas, o que está em disputa não é só quem leva um cheque gigantesco. É também como a indústria enxerga fusões e aquisições envolvendo estúdios criativos, qual valor real têm os earn-outs anunciados em coletivas e qual papel as ferramentas de IA vão desempenhar em decisões que afetam diretamente o destino de jogos, equipes e comunidades. Subnautica nasceu como um convite para mergulhar em um oceano desconhecido; seu segundo capítulo, antes mesmo de chegar às mãos dos jogadores, virou um lembrete de como as águas corporativas podem ser ainda mais turvas.