Críticas públicas entre estúdios raramente passam do bastidor. Desta vez, porém, o diretor de Kingdom Come: Deliverance 2, Daniel Vávra, levou a discussão para a timeline: no X, deu nota 7/10 para The Outer Worlds 2 e cravou que a Obsidian “não inova de verdade desde Fallout: New Vegas”. Por trás da provocação há uma tese que ecoa nas grandes RPGs: polir, ampliar e melhorar é suficiente – ou já é hora de mexer nas bases do gênero, com sistemas mais vivos e menos “parque temático”?
O que Vávra cobra: mundos que respiram
O argumento dele é direto: orçamento gigante e tecnologia de ponta pouco significam se o design permanece conservador. 
Em vez de corredores com loot, eixos de afinidade e diálogos com rolagens previsíveis, ele pede não linearidade de verdade, rotinas críveis para NPCs e consequências persistentes que transcendam a missão do momento. Em suma, menos atração guiada, mais ecossistema simulado – onde as regras do mundo colidem e produzem histórias que nem o roteirista antecipa.
The Outer Worlds 2 inovou pouco – mas evoluiu onde interessa
Ninguém vai encontrar em TOW2 uma mecânica “capa de revista” que redefina o RPG. As ferramentas são familiares: missões ramificadas, perks de companheiros, furtividade, hacking, checks sociais. Dá para reconhecer elementos de Deus Ex e dos Fallout clássicos. NPCs punem furtos, facções lembram de você – mas as rotinas ainda soam mais encenação do que relógio de bolso. Dito isso, a sequência amplia a agência do jogador em relação ao primeiro jogo: há mais soluções por build, mais reatividade nas resoluções e um empurrão real na rejogabilidade. É pouco? Talvez para quem espera ruptura. Mas, como experiência, é uma evolução sólida.
Inovar é caro, frágil – e nem sempre o que decide
Grandes RPGs cinematográficos são máquinas delicadas. Um sistema experimental pode derrubar uma dúzia de missões roteirizadas ou quebrar cenas inteiras. Quando o risco compensa, o resultado chama atenção: Clair Obscur: Expedition 33 misturou combate em turnos com execução em tempo real de um modo que refresca o ritmo. Em contrapartida, o fenômeno Baldur’s Gate 3 não “reinventou” o CRPG; venceu pela execução quase obsessiva do que já funcionava. A lição pragmática: no gênero, excelência consistente muitas vezes pesa mais que novidade ruidosa.
O espelho de Vávra: a simulação em KCD2
Questionado sobre “cadê a inovação” em sua própria casa, Vávra respondeu com a carta da simulação: milhares de NPCs com rotinas e interdependências. Não é truque de marketing – poucas produções AAA tentam esse escopo porque ele é caro e difícil de estabilizar. Claro, não é a primeira vez que vemos isso: desde Oblivion (2006), a Bethesda popularizou agendas básicas. A diferença em KCD2 é a densidade e o peso sistêmico: fome, equipamento, reputação, horários e vigilância se entrelaçam até moldar o drama minuto a minuto. A simulação deixa de ser tempero e vira prato principal.
O que a comunidade percebe (para além da gritaria)
Nos comentários, três linhas de leitura aparecem com frequência. Primeiro, a rotação de talentos: a equipe de New Vegas não é a mesma de hoje, e isso muda DNA criativo e processos. Segundo, a compra pela Microsoft: tira o fantasma do fechamento, mas empurra para decisões mais prudentes – sobrevivência AAA é gerenciamento de risco. Terceiro, a fadiga de guerra cultural: reduzir discussões de design a slogans ideológicos rende clique, mas não entrega sistemas melhores. O público pode discordar do tom de Vávra, porém há apetite genuíno por mundos mais consequentes e menos “cartilha de missão”.
Quando um dev chama o outro: risco, barulho e algum benefício
Cutucar colega em público sempre explode em torcida organizada. Ainda assim, discussões francas ajudam a recalibrar o que valorizamos. A pergunta por trás do ruído é pertinente: o RPG de grande orçamento bateu no teto? Se sim, a próxima fronteira não é mais um nível de item raro, e sim profundidade sistêmica: rotinas que importam, ecologias com dentes, crimes e promessas lembrados de verdade, IA que reage além do cone de visão.
Onde cada série está agora
The Outer Worlds 2 entrega o que a Obsidian sabe fazer: escrita espirituosa, builds elásticas e uma malha de escolhas e consequências mais densa que a do antecessor. É seguro? É. Mas também é competente, divertido e mais flexível. Kingdom Come: Deliverance 2 segue a trilha oposta: aposta em fricção, escassez e etiqueta social medieval para transformar a simulação na própria narrativa. Para quem quer voltar, há novidades concretas: o DLC final, Mysteria Ecclesiae, e períodos de teste gratuito em PC e Xbox vêm abrindo a porta para curiosos.
Veredito: não é “ou isso ou aquilo” – é “e também”
Dizer que a Obsidian “não inova há 15 anos” é um exagero que, ainda assim, aponta para uma encruzilhada real. Um caminho burila histórias autorais, reatividade narrativa e produção caprichada; o outro abraça mundos sistêmicos onde regras se trombam e geram surpresas. O gênero precisa dos dois. Se a Obsidian continuar aparando e ampliando a malha de escolhas enquanto a Warhorse intensifica sua simulação social, quem ganha é o jogador. O resto é barulho – e combustível para mais uma semana quente de debate.
1 comentário
Depois da MS, a Obsidian ficou muito “segura”. Bom, mas meio morno, né. 🤷