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HDR nos games em 2025: por que ele ainda está quebrado e como pode ser salvo

por ytools
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Cerca de dez anos atrás, muita gente apostava que o próximo grande salto gráfico nos videogames não seria a resolução 4K, mas sim o tal do HDR. Quando a Sony preparava a versão turbinada do PlayStation 4 – o console que acabaria lançado como PS4 Pro em 2016 – a promessa era clara: mais brilho, mais contraste, mais cores e uma sensação de imagem muito mais próxima da vida real.
HDR nos games em 2025: por que ele ainda está quebrado e como pode ser salvo
Microsoft, AMD, fabricantes de TVs e boa parte da imprensa repetiam o mantra de que, em testes com usuários, o impacto do HDR era percebido como maior do que o simples aumento de resolução. E, diferente do 4K, a tecnologia não deveria derrubar o desempenho de forma drástica. No papel, parecia o upgrade perfeito.

Os primeiros anos reforçaram esse otimismo. Estúdios como Naughty Dog e Playground Games davam entrevistas falando que HDR bem feito era algo que "não dava para desver". A NVIDIA levou monitores G-SYNC HDR para a CES 2017 e mostrava demos que misturavam alta taxa de quadros com destaques super brilhantes. Em 2018, nasceu o grupo HGiG (HDR Gaming Interest Group), reunindo Sony, Microsoft, LG, Samsung, grandes publishers e outros players para tentar alinhar recomendações de implementação. A narrativa era de que todos estavam remando na mesma direção: tornar HDR a nova base visual dos games.

Avançando para o fim de 2025, o cenário real é muito menos glamuroso. Hoje é difícil encontrar uma TV de médio ou alto padrão que não estampe algum selo de HDR na caixa. Monitores com brilho alto e amplo gamut de cores são cada vez mais comuns. OLED virou objeto de desejo – e, em muitos casos, de realidade – nas salas dos entusiastas. Só que, na hora de ligar o console ou o PC e abrir um grande lançamento, o jogador descobre que ou não há HDR algum, ou o modo HDR está tão quebrado que é melhor fingir que ele não existe. A promessa de "nova era visual" virou, para muita gente, sinônimo de frustração.

Uma tecnologia madura no hardware, mas tratada como opcional no software

Se você pegar uma lista dos 20 ou 25 jogos mais comentados de 2025, o resultado é chocante. Em torno de metade deles simplesmente não oferece HDR. Nada. Zero. Entre os que oferecem, apenas uma minoria entrega algo realmente consistente. O resto sofre com um cardápio repetido de problemas: pretos esmagados que escondem detalhes, pretos levantados que deixam tudo acinzentado, cores puxando para tons estranhos, brilhos estourados, HUD que parece um holofote e menus de calibração que mais confundem do que ajudam.

Há casos de jogos que chegam ao mercado sem HDR e recebem um patch meses depois, claramente feito em regime de emergência. Há títulos em que o HDR existe, mas ao compará-lo com o SDR lado a lado você percebe que a intenção artística foi alterada: em SDR a cena tem um clima, em HDR parece outra coisa, como se alguém tivesse mexido nos sliders "na coragem". Para quem gastou dinheiro em uma TV capaz de 1500 ou 2000 nits, com cobertura ampla de Rec. 2020 e contraste absurdo, é como comprar uma Ferrari para dirigir só em rua de paralelepípedo.

O mais irônico é que, tecnicamente, HDR deveria ser uma das partes mais "tranquilas" da equação. Diferente de ray tracing em tempo real ou de texturas gigantes em 4K, não é algo que sozinho vá detonar o desempenho. O trabalho acontece no fim do pipeline: tonemapping, correção de cor, codificação do sinal na curva certa. Mas é justamente aí, na tal "última milha" entre o que o jogo renderiza e o que chega até seus olhos, que a maioria dos estúdios ainda tropeça.

HDR x SDR: por que esse tal "dinâmico" importa tanto

Para entender por que tanta gente boa jura de pé junto que HDR, quando bem feito, é mais impactante do que 4K, é preciso voltar ao básico. O SDR que usamos há décadas foi pensado para telas com brilho de referência na casa dos 100 nits e cores limitadas ao espaço Rec. 709/sRGB. Para a era das TVs de tubo e das primeiras LCDs, ok. Mas os painéis atuais estão em outro universo: conseguem brilhar muito mais, mostrar pretos muito mais profundos e reproduzir cores que simplesmente não cabem no velho Rec. 709.

HDR explora exatamente isso: amplia o intervalo entre os pontos mais escuros e mais claros (daí o "high dynamic range") e também o volume de cores disponíveis. Quando um jogo trabalha corretamente com esse espaço, o sol refletindo na água ou numa lataria pode realmente incomodar os olhos, assim como incomoda na vida real. Chamas de fogo não são apenas manchas laranja, mas têm gradações finas de vermelho, amarelo e branco intenso. Neblina, fumaça e céu ao entardecer ganham transições suaves, sem aqueles degraus marcados que todo mundo conhece.

Um ponto importante é que HDR bom não é sinônimo de imagem "estourada" e saturada até dizer chega. Na verdade, muitas das melhores implementações parecem, à primeira vista, surpreendentemente discretas. A diferença aparece na sensação de profundidade, de volume, de presença da luz. Cenários que em SDR pareciam chapados ganham camadas, reflexos, nuances. O jogo não vira um carnaval de cores, mas se aproxima mais de como o cérebro está acostumado a enxergar o mundo.

Por ser uma etapa de pós-processamento, o custo em performance tende a ser modesto se comparado a aumentar resolução ou habilitar mais efeitos pesados. É por isso que tanta gente na indústria repetia – e ainda repete – que "1080p com HDR bem feito" muitas vezes é visualmente mais interessante do que um pseudo-4K sem HDR. Só que isso exige pipeline bem pensado e algum carinho que, na correria de um desenvolvimento AAA, costuma faltar.

Por que tantos estúdios ainda tratam HDR como um enfeite opcional

Do lado de fora, pode parecer óbvio: se a maioria das TVs novas vem com HDR, por que não fazer de tudo para que o jogo brilhe nesse formato? Dentro de um estúdio, porém, a equação é bem mais cínica. Qualquer projeto grande é uma guerra de prioridades. Cada equipe tenta garantir fatia de tempo e orçamento para suas features, e sempre falta gente, dinheiro ou meses de produção.

O ponto cruel é que o jogo funciona sem HDR. Você pode lançar algo visualmente impressionante, vender milhões, ganhar prêmio de direção de arte – tudo isso em SDR. Não existe uma barreira técnica que diga: "sem HDR, este game não roda". Já features como ray tracing, novos modos de upscaling, sombras mais elaboradas e assim por diante costumam entrar diretamente no material de marketing, em banners de GPU, em vídeos promocionais de console. As fabricantes de placa de vídeo batem na porta oferecendo suporte técnico, dinheiro de co-marketing, destaque em eventos, desde que aquela tag "RTX ON" ou equivalente apareça com destaque.

Para HDR, não há esse tipo de lobby agressivo. Claro, fabricantes de TV e empresas como Dolby têm interesse, mas na prática o desenvolvedor médio não recebe um engenheiro batendo na porta para ajudar a ajustar tonemapping e calibração. Resultado: dentro do cronograma, HDR tende a cair naquele balde de "seria ótimo ter, se sobrar tempo". E tempo quase nunca sobra.

Existe ainda um fator cultural: muitos desenvolvedores cresceram e fizeram carreira inteira em cima do SDR. Para eles, esse universo parece familiar, estável, "domado". HDR, ao contrário, soa como terra de ninguém, um conjunto de padrões meio confusos, TVs que se comportam diferente, um oceano de configurações. O que é curioso, porque, do ponto de vista formal, HDR tem especificações mais claras e rígidas do que a bagunça histórica do SDR, onde cada TV puxava a curva de gamma e o nível de brilho para o lado que quisesse.

Para piorar, os motores gráficos mais populares – Unreal Engine e Unity – oferecem o HDR como uma espécie de "checkbox mágica". Marca ali, mexe em meia dúzia de parâmetros e, teoricamente, está tudo certo. Mas por baixo desse botão há uma cadeia de conversões de cor, escalas de luminância e LUTs muitas vezes pensada primeiro para SDR. Se a equipe não tem alguém com foco em color science, é fácil achar que "está tudo bem" ao olhar para um monitor qualquer no escritório, e só descobrir que algo saiu torto quando os reviews começam a reclamar da imagem estranha em tal modelo de TV.

O cara que entrou no buraco negro do HDR: quem é Filippo Tarpini

É nesse contexto que entra uma figura curiosa: o programador gráfico italiano Filippo Tarpini. Em vez de perseguir as buzzwords do momento, como física avançada, ray tracing de última geração ou simulação de fluídos, ele escolheu um canto do pipeline que poucos queriam encarar: o trecho entre o framebuffer flutuante que o jogo gera e o sinal final que sai em HDR para a tela. Tonemapping, curva de transferência, encode, LUTs de cor – exatamente o pedaço que todo mundo chamava de "caixa preta".

Tarpini passou por diferentes estúdios, mas ganhou mais visibilidade enquanto trabalhava na Remedy. Lá, em seu tempo livre, ele começou a montar um mod de HDR "de verdade" para Control, já que a versão original não fazia justiça ao potencial visual do jogo. O experimento deu tão certo entre os entusiastas que acabou incorporado oficialmente via atualização. Em Alan Wake II, ele atuou desde cedo na concepção do pipeline de HDR, ajudando a construir um sistema de calibração simples de usar, mas tecnicamente sólido, que hoje é citado por muita gente como referência.

Fora do circuito oficial, o nome de Tarpini também está por trás da Luma, iniciativa open source que fornece código e ferramentas para "injertar" HDR moderno em jogos que nasceram sem isso ou que só tinham um modo HDR de fachada. Mods da Luma já foram aplicados em títulos como Starfield, Prey e outros, tornando-se, em vários casos, "a forma recomendada" de jogar em telas HDR. Em paralelo, ele colabora com a NVIDIA para levar suporte robusto a HDR dentro do RTX Remix, plataforma pensada para remasterizar clássicos de PC.

Tudo isso desemboca na Gamma Studios, empresa que ele fundou para oficializar o que já vinha fazendo: ajudar outros times a arrumar seus pipelines de pós-processamento, implementar HDR de forma correta e modernizar processos de color grading. Em vez de vender mais uma solução milagrosa, a proposta é quase artesanato técnico: entender como o estúdio trabalha hoje, onde o SDR vira HDR, quais ferramentas usa, e ir corrigindo as engrenagens que estão desalinhadas.

HDR Den: quando meia dúzia de modders aprende mais que estúdios AAA

Ao redor desse trabalho profissional nasceu também uma comunidade de entusiastas. A HDR Den, que começou como um espaço em Discord e se expandiu para o Reddit, reúne modders, técnicos de estúdios e jogadores obcecados por imagem. Ali circulam medições de brilho e cor feitas em diferentes TVs, comparações de jogos, scripts de correção de shaders e até experimentos mais malucos, como um mod que reaproveita o TAA de jogos em Unreal Engine 4 para transformá-lo em algo muito próximo de um upscaling tipo DLSS/FSR.

O ponto interessante é que esse tipo de comunidade, trabalhando quase no tempo livre, consegue se aprofundar no assunto de maneira que muitas equipes internas não conseguem. Enquanto um time AAA está ocupado fechando build, entregando DLC e respondendo a prazos externos, meia dúzia de modders passa noites testando variações de curva de tonemapping, comparando capturas em diferentes TVs e documentando tudo em threads gigantes. Quando um desenvolvedor de estúdio cai ali, muitas vezes descobre respostas práticas para dúvidas que não encontrou em documentação oficial.

É um retrato curioso da indústria atual: a tecnologia que deveria ser o padrão de mercado parece, em muitos momentos, sustentada por uma mistura de paixão e teimosia de gente que simplesmente não aceita ver jogos lindos sendo exibidos em HDR medíocre.

Os raros exemplos de HDR que realmente fazem jus ao nome

Apesar de todo o cenário caótico, existem jogos que mostram o quanto HDR pode ser transformador quando é tratado como parte do projeto desde o início. Red Dead Redemption 2 costuma aparecer no topo dessas listas, especialmente em boas TVs HDR: os pores do sol sobre as montanhas, as fogueiras à noite, a forma como a luz atravessa a poeira no ar – tudo ganha uma qualidade quase "fotográfica" quando o pipeline respira em alto alcance dinâmico.

O remake de Dead Space também é mencionado com frequência: o contraste entre as áreas totalmente escuras da nave e os cortes de luz das lanternas e painéis se beneficia imensamente do HDR, aumentando a sensação de tensão e claustrofobia. Não é que esses jogos sejam tecnicamente perfeitos sob o olhar de 2025 – se você for medir nit a nit, ainda encontra inconsistências. Mas, do ponto de vista de quem joga, eles passam na prova mais importante: respeitam e amplificam a intenção artística em vez de distorcê-la.

Uma parte dos AAA da Sony, assim como algumas edições recentes de Call of Duty, também costuma acertar a mão. Não porque façam algo extremamente exótico, mas justamente por fazer o básico direito: testar em hardware real, ajustar menus de calibração com cuidado, envolver a equipe de arte no processo de validação da imagem em HDR. O resultado é que, nesses casos, ligar HDR não vira uma aposta, e sim a forma "certa" de jogar.

Em outro extremo, mas igualmente importante, estão jogos como No Man’s Sky, que alguns jogadores apontam como um dos poucos exemplos em que HDR parece quase feito para exibir mundos alienígenas. Céus coloridos, nebulosas, flora bioluminescente e superfícies metálicas estranhas ficam muito mais convincentes quando não estão espremidos no antigo espaço Rec. 709. Em alguns trechos de Cyberpunk 2077, principalmente em OLED, a combinação de HDR com ambientação noturna e neon molhado pela chuva realmente parece "próxima demais" de uma cidade real iluminada por letreiros.

O caos no PC: monitores "fake HDR", Windows confuso e usuários furiosos

Se nos consoles o HDR é inconsistente, no PC ele frequentemente beira o absurdo. E é justamente de lá que vêm muitos dos comentários mais raivosos. Durante anos, o mercado foi inundado por monitores com selo HDR que, na prática, mal passavam de SDR com marketing reforçado. Painéis sem escurecimento local, com pico de brilho abaixo de 400 nits e preto lavado, não têm como entregar um verdadeiro alto alcance dinâmico, mas isso não impediu que recebessem logos bonitinhos na caixa.

O usuário compra um desses, conecta no PC, liga o modo HDR do Windows e, em vez de uma revelação, vê a área de trabalho ficar estranha, as cores desbotarem e os jogos assumirem um aspecto acinzentado. Mesmo em títulos com HDR nativo, o resultado costuma ser inferior ao SDR bem calibrado. Não é surpresa que, depois de duas ou três tentativas frustradas, muita gente decida que "HDR é a pior experiência que já teve em PC".

O próprio sistema operacional contribui para essa reputação ruim. Em modo HDR, o Windows ainda lida mal com a mistura de conteúdo SDR (aplicativos, vídeos, browser) e HDR (jogos, filmes). Algumas janelas parecem lavadas, outras ficam contrastadas demais, e o Auto HDR – tentativa da Microsoft de "dar um up" em jogos SDR automaticamente – pode tanto surpreender positivamente quanto destruir completamente o equilíbrio da imagem. Para o usuário comum, que vê apenas uma opção "Usar HDR" nas configurações, fica difícil separar o que é culpa do jogo, do monitor, do driver ou do sistema.

Essas experiências ruins alimentam uma visão cética que ganhou bastante força na comunidade PC: a de que HDR seria apenas um rótulo para 10 bits de cor, algo que deveria ter virado padrão frio e simples na especificação dos monitores, sem tanta confusão de formatos, licenças e logos. Outros associam HDR a "coisa de ecossistema fechado", algo que faz sentido em consoles e TVs controlados por grandes empresas, mas vai contra o espírito aberto e modular da plataforma PC.

Tarpini reconhece o caos, mas argumenta que a solução não é descartar HDR no PC, e sim estabelecer limites mais honestos. Em telas que claramente não têm contraste ou brilho suficiente, faz mais sentido deixar o jogo em SDR por padrão e informar o jogador de que o HDR daquele painel é mais marketing do que realidade. Do que adianta oferecer um slider extra se o hardware não consegue materializar o benefício?

HDR10, Dolby Vision, HDR10+, HGiG: sopa de letrinhas ou parte da solução?

Para quem já está confuso, a profusão de formatos só piora a situação. Além do HDR10 básico, há Dolby Vision, HDR10+, variações "Advanced", modos específicos de fabricantes, além das diferenças entre como consoles e TVs interpretam cada coisa. Naturalmente, muitos jogadores passam a tratar tudo como "uma grande bagunça proprietária" e desistem de entender.

Na prática, quase todos os games hoje usam HDR10 como formato de saída, por ser o denominador comum suportado pela maioria das TVs. Dolby Vision e HDR10+ trazem a ideia de metadados dinâmicos, que podem ajudar a ajustar melhor a imagem cena a cena, mas dificilmente vão se popularizar em jogos enquanto uma parte significativa dos estúdios ainda tropeça no básico. Se o pipeline interno já está desalinhado, adicionar uma camada extra de complexidade não resolve o problema de fundo.

Mais relevante para o mundo dos games é o HGiG. Ao contrário do que muita gente pensa, ele não é um formato novo, e sim um conjunto de recomendações para que a TV se comporte de forma previsível em HDR, entregando para o console ou PC um comportamento "neutro": nada de tonemapping agressivo por conta própria, nada de tentar "embelezar" o sinal. A ideia é que o jogo, sabendo o pico de brilho real da tela, faça o mapeamento que precisa e a TV simplesmente respeite.

Quando essa relação funciona, calibrar HDR em um jogo é bem menos assustador do que parece. Em muitos casos, bastaria um ajuste de brilho global, um controle para a intensidade máxima de branco (o tal "paper white") e, no máximo, um slider separado para HUD. O jogo pode inclusive consultar o sistema para saber qual o pico de brilho da TV e ajustar automaticamente os limites. Foi essa filosofia que norteou o menu de calibração de Alan Wake II, por exemplo.

O problema é que muitos estúdios partem de uma premissa equivocada: a de que "cada TV HDR é um universo", enquanto SDR seria algo homogêneo e previsível. Com medo de errar, criam menus com cinco ou seis controles diferentes – brilho médio HDR, brilho de sombra, brilho de destaque, contraste, saturação, "força do efeito HDR" – muitas vezes exibindo imagens de fundo que nem representam o comportamento real da cena no jogo. Ao final, metade dos jogadores mexe aleatoriamente até a imagem parecer suportável, e a outra metade desiste.

O gargalo invisível: pipelines de cor pensados para SDR

No centro de tudo isso está um fato incômodo: a maior parte da produção de arte em games ainda vive 100% no mundo SDR. Ferramentas de modelagem, de texturização, de grading, monitores de referência usados pelos artistas – quase tudo trabalha em Rec. 709. Décadas de cinema e TV legaram ao mercado um arsenal de workflows construídos em torno dessa realidade, e é muito difícil virar essa chave da noite para o dia.

Hoje, na prática, o que acontece em muitos estúdios é o seguinte: a direção de arte define a "cara" do jogo em SDR, os artistas ajustam luz, material, clima, tudo olhando para monitores SDR de referência. Esse visual é refinado ao longo de anos, é usado em screenshots, trailers, materiais de marketing. Em determinado momento do cronograma, alguém levanta a mão e lembra: "Ah, precisamos de HDR também". A tarefa cai no colo da equipe de engine ou de um pequeno grupo técnico, que tenta mapear aquele mundo cuidadosamente construído para um espaço HDR.

A distância entre quem tomou as decisões estéticas e quem implementa o HDR se torna um problema. Às vezes a equipe artística não tem tempo para revisar de perto cada cena em HDR, às vezes falta ferramenta integrada para comparar lado a lado as duas versões. Em alguns projetos, artistas simplesmente vetam o HDR na última hora, porque nada do que tentam parece fiel ao que aprovaram em SDR. Em outros, o cansaço e a pressão pelo lançamento falam mais alto, e o jogo sai com um HDR "mais ou menos" porque "melhor isso do que nada".

Some a isso a falta de documentação clara e abrangente. Há papers acadêmicos, apresentações de conferências, posts de blog técnicos, mas poucas fontes consolidadas que falem a língua prática do dia a dia dos estúdios. Muitas ferramentas populares de tratamento de imagem simplesmente assumem SDR, e todas as gambiarras para fazer essas ferramentas conversarem com HDR resultam em pipelines frágeis, cheios de pequenos truques difíceis de auditar.

É aqui que iniciativas como HDR Den e Luma ganham importância. Quando desenvolvedores começam a compartilhar abertamente perfis de cor, trechos de código, exemplos de curvas de tonemapping que funcionam bem em determinada TV, os estúdios ganham um atalho. Em vez de reinventar tudo, podem aprender com quem já arrebentou a cabeça tentando resolver os mesmos problemas.

Como os jogadores enxergam o HDR: entre o "nunca mais vivo sem" e o "lixo absoluto"

O resultado de toda essa confusão técnica aparece, inevitavelmente, nos comentários. De um lado, há quem tenha tido a sorte de experimentar HDR bom logo de cara: um PS5 ou Xbox Series X ligado a uma boa OLED, um jogo com implementação decente, calibração feita com calma. Essas pessoas costumam escrever coisas como "depois que vi HDR de verdade, não consigo voltar para SDR". Falam de ser ofuscadas pelo sol em certos jogos, de reconhecer detalhes em sombras que antes eram apenas manchas, de sentir que a imagem "parece janela" em vez de "tela".

Do outro lado, estão milhões de jogadores de PC com monitores de entrada e experiências traumáticas. Eles contam histórias de ligar o HDR no Windows, ver a área de trabalho desbotar, abrir um jogo e achar tudo lavado – para depois descobrir que é preciso desligar o HDR no sistema, ligar no jogo, mexer em sliders, mexer no monitor, rezar um pouco e, com sorte, chegar a um resultado "ok". Muitos não passam dessa primeira tentativa; voltam para SDR e concluem que HDR é truque de marketing.

Entre esses extremos, as discussões ficam acaloradas. Entusiastas acusam céticos de nunca terem visto "HDR de verdade", os céticos respondem que não vão gastar o dobro do preço em uma TV só para descobrir se a tecnologia "funciona mesmo". Surgem comparações com o fiasco das TVs 3D, questionamentos sobre padrões proprietários, críticas à fragmentação de formatos e por aí vai.

No meio de tanta gritaria, a verdade é que os dois lados têm razões legítimas. HDR realmente tem potencial para ser o maior salto visual desde a alta definição, mas a forma como ele vem sendo entregue em muitos produtos – seja por hardware limitado, seja por software descuidado – faz com que uma parte enorme do público só conheça sua pior versão. A frustração não é com a ideia, e sim com a execução.

O que precisa mudar para o HDR finalmente deixar de ser loteria

Arrumar o HDR nos games não exige descobrir uma nova física nem inventar um formato mágico. Exige, antes de tudo, tratar cor e brilho com a mesma seriedade com que já se trata iluminação, animação e gameplay. Na prática, isso se traduz em uma série de passos bem objetivos.

O primeiro é aumentar o papel dos donos de plataforma. Sony e Microsoft já têm checklists bastante rígidos para certificação de jogos: estabilidade, suporte a idiomas, integração com sistema, comportamento de rede. Incluir requisitos básicos de qualidade para HDR – respeitar pico de brilho informado pela TV, evitar configurações absurdas de "white point", garantir que não haja clipping grotesco em cenas comuns – não deveria ser impossível. Isso não significa ditar o estilo visual, e sim impedir os erros mais grosseiros.

O segundo passo é produzir e compartilhar guias práticos de implementação focados especificamente em games. Não apenas apresentações genéricas sobre as maravilhas do HDR, mas exemplos concretos: como migrar um pipeline de texturas de Rec. 709 para um espaço mais amplo sem quebrar tudo, como lidar com LUTs de color grading pensando em SDR e HDR, como construir menus de calibração amigáveis que não entreguem ao jogador todo o painel de controle de um colorista profissional.

Terceiro: mover parte da responsabilidade de calibração para o sistema operacional. Se o Windows, os consoles e até mesmo algumas TVs forem capazes de guiar o usuário em um processo único de medição de brilho máximo e definição de "branco de referência", os jogos podem simplesmente confiar nesses dados em vez de reinventar a roda. Em vez de cinco telas de "ajuste até este logo quase sumir", o jogador teria um ajuste sistêmico que funciona para todos os títulos.

Quarto ponto: a crítica especializada precisa olhar para HDR com mais cuidado. Assim como reviews hoje esmiúçam a implementação de ray tracing, qualidade de textura, performance em diferentes modos, faria sentido dedicar algumas linhas para a qualidade do HDR: se a imagem fica correta, se a calibração faz sentido, se há bugs claros. Quanto mais os veículos apontarem dedos para implementações preguiçosas, menos espaço haverá para o "qualquer coisa tá bom".

Por fim, é necessário honestidade com o público. Se uma equipe não tem tempo ou conhecimento para entregar HDR decente, é melhor lançar o jogo apenas em SDR do que oferecer um modo HDR que piora a experiência. Se as estatísticas mostram que a maioria da base joga em telas que mal passam de 300–400 nits sem bom contraste, talvez faça mais sentido deixar HDR como opção avançada, em vez de vendê-lo como algo que "todo mundo deve usar".

Daqui a cinco anos, SDR pode parecer tão velho quanto 480p

Apesar de toda a crítica, muitos especialistas apostam que o futuro ainda é claramente HDR. A curva de adoção de TVs e monitores com bom suporte à tecnologia continua subindo. Painéis com 1000 nits reais e ampla cobertura de Rec. 2020 estão deixando de ser raridade, e OLED vem ficando um pouco mais acessível a cada ano. Em paralelo, ferramentas de produção começam, aos poucos, a incorporar workflows conscientes de HDR.

À medida que mais jogos nascerem desde o início com pipelines de cor pensados para alto alcance dinâmico, que mais estúdios acumularem experiência e que o sistema operacional fizer menos bobagens, a diferença de percepção entre um jogo HDR "de raiz" e um SDR tradicional tende a aumentar. Em algum momento, jogar em SDR em uma boa tela HDR pode passar a sensação de voltar para um vídeo em 480p depois de se acostumar com o Full HD.

Quando esse ponto de virada chegar, cada grande título que saiu sem HDR – ou com um modo HDR tão ruim que ninguém usa – vai carregar uma espécie de cicatriz. Mods e remasters poderão corrigir parte do problema, mas nem todos os games vão receber esse tratamento. Há uma dimensão histórica aqui: como esses jogos serão lembrados visualmente no futuro?

É por isso que o trabalho de gente como Filippo Tarpini e da comunidade ao redor do HDR Den acaba sendo mais importante do que parece à primeira vista. Eles não estão apenas "polindo imagem"; estão ajudando a definir um padrão mínimo de respeito ao potencial dos displays que já estão na casa das pessoas. Estão mostrando, na prática, que não é preciso ser um gigante da indústria para implementar HDR digno desse nome.

No fim das contas, o HDR nos games está em uma encruzilhada. Pode seguir o caminho das TVs 3D, ficar marcado como promessa exagerada que nunca se consolidou, ou pode finalmente atravessar a fase de adolescência conturbada e virar o novo normal silencioso, aquele que ninguém mais comenta porque simplesmente funciona. A diferença entre uma coisa e outra passa por decisões bem concretas tomadas hoje – nas salas de reunião dos estúdios, nas diretrizes das plataformas e nas linhas de código que definem como a luz do seu jogo chega até os olhos de quem está no sofá ou na cadeira gamer.

Enquanto esse futuro não chega, o mais sensato talvez seja reconhecer duas verdades ao mesmo tempo: sim, HDR ainda é uma bagunça em muitos lugares, especialmente no PC; e sim, quando tudo se alinha – jogo, hardware, sistema, calibração – ele entrega algo que o SDR não tem como reproduzir. Entre o hype vazio e o cinismo absoluto, há espaço para um meio-termo: exigente, mas otimista.

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