
Quando um diretor de blockbusters deseja um palco menor
Naoki Hamaguchi, o cérebro por trás de Final Fantasy VII Rebirth, tem repetido em 2025 duas certezas: o próximo capítulo do remake avança bem e jogos com foco cirúrgico podem brilhar tanto quanto um AAA. Entre esses casos, um nome volta sempre à conversa: Clair Obscur: Expedition 33. Para Hamaguchi, ele é prova de que um escopo menor, quando bem escolhido, dá liberdade para lapidar uma ideia até ela cintilar. E o diretor admite: ele adoraria experimentar um projeto desse porte – não como um minigame, mas como obra central, com identidade própria.
O contraste é conhecido por quem acompanha o desenvolvimento moderno. Produções AAA são cidades-estado: pipelines de arte gigantes, captura de movimento, orquestras de sistemas de gameplay, dezenas de estúdios parceiros, QA global. O padrão de qualidade é altíssimo em todas as direções – e, por isso mesmo, o coração de um conceito pode se diluir em meio aos milhares de peças. O AA parte de uma outra filosofia: escolher um único pilar – o ritmo do combate, um estilo visual marcante, uma estrutura narrativa magnética – e investir pesadamente nele. Resultado? Experiências que soam autorais, nítidas, com menos dispersão e mais personalidade.
O que torna Clair Obscur: Expedition 33 um bom farol
O encanto aqui não é apenas orçamento contido. É disciplina de escolha. Clair Obscur mostra como a clareza de prioridades encurta o ciclo de iteração, facilita decisões e mantém todos olhando para a mesma estrela. Em vez de modos que competem por atenção, temos uma espinha dorsal coerente que dita o tom do level design, da câmera, do áudio. Esse foco transforma cada segundo em intenção: o tempo de antecipação de um golpe, a leitura de silhuetas, a pausa dramática entre uma defesa perfeita e o contra-ataque.
Como seria um AA assinado por Hamaguchi
Imagine um RPG que elege um sistema para o papel principal. Um combate rítmico, quase musical, em que inputs e feedbacks táteis conduzem a tensão da cena; uma direção de arte que atravessa UI, efeitos e animação como um único motivo visual; uma campanha enxuta que rejeita tarefas de preenchimento. Luxo seletivo: gastar onde o jogador sente – encontros afinados, trilha que morde na hora certa, enquadramentos que contam história – e cortar sem remorso o que só infla o mapa.
Isso não significa abrir mão de carisma. Pelo contrário: dá para preservar o charme visual que muitos fãs pedem – personagens estilosos, figurinos lembráveis, poses icônicas – sem transformar a experiência em um desfile de conteúdos obrigatórios. O AA permite ousar sem carregar o peso de uma enciclopédia de sistemas.
A colisão com a realidade corporativa
Hamaguchi, porém, é o primeiro a reconhecer o freio de mão: sua função dentro da Square Enix e os compromissos de franquias gigantes criam um campo gravitacional difícil de escapar. Em meio a janelas de marketing, expectativas globais e marcos internos, destacar um diretor para um experimento menor no meio de uma trilogia é quase impraticável. Como ele mesmo sugere, seria preciso ignorar a realidade do cargo e do que a empresa demanda.
Por que o público vibra com essa possibilidade
Há um desejo crescente por jogos mais focados, capazes de caber em um fim de semana sem serem esquecíveis. Muita gente trocaria um mundo aberto repleto de marcadores por cinco experiências AA afiadas, cada uma com identidade própria. Outros reforçam: o visual marcante continua crucial – design de personagens que gruda na memória ainda faz diferença. No fim, a pergunta é simples: e se o esmero técnico de uma gigante como a Square Enix fosse apontado para um único feixe de luz? A resposta, se um dia vier, pode redefinir expectativas e provar que escopo e impacto não são sinônimos.
Quer Hamaguchi consiga ou não abrir essa vereda agora, o recado de 2025 é claro: quando talentos de blockbusters miram pequeno de propósito, o resultado pode ser grande naquilo que mais importa – sensações, ritmo, lembrança.