Quem acompanha jogos há mais tempo sente na pele: alguma coisa mudou radicalmente. Videogame já não é só aquele disco ou cartucho que você ganha no fim de ano, zera em alguns dias e esquece na estante. Hoje jogo é ponto de encontro, é rede social disfarçada, é palco para criação de conteúdo e até vitrine de cultura pop. Para a LEGO, que por décadas significou basicamente uma caixa de tijolinhos espalhados pelo chão da sala, esse novo cenário é, ao mesmo tempo, um desafio gigante e uma oportunidade histórica.
Trinta anos atrás, o primeiro passo da LEGO além do físico foi quase tímido: Fun to Build, um jogo lançado só no Japão para a obscura Sega Pico. 
Pouca gente lembra desse console, menos gente ainda jogou esse título. Mas foi ali que o tijolo de plástico começou a ganhar uma segunda vida no digital. Cortando para 2025, a LEGO não tem apenas um jogo, e sim um ecossistema inteiro: aventuras cinematográficas, plataformas criativas, experiências indie, minigames de festa e um universo inteiro dentro de Fortnite. O mesmo tijolo que um dia morava apenas em cima da mesa agora também constrói mundos em servidores pelo planeta.
Da Sega Pico ao multiverso digital da LEGO
Os primeiros anos da LEGO nos jogos foram de experimentação. Surgiram títulos de PC com corridas, pequenas aventuras, jogos educativos, sempre tentando entender o que fazia sentido naquele momento. A grande virada veio com a TT Games e o nascimento da fórmula que todo mundo conhece: jogos de LEGO licenciados, cheios de humor visual, jogabilidade acessível e coop de sofá. LEGO Star Wars foi o cartão de visitas perfeito. Ele pegou uma franquia gigante, cheia de fãs apaixonados, e transformou em algo que pais e filhos podiam jogar juntos, rindo das piadinhas em tijolinhos.
Depois vieram LEGO Batman, LEGO Harry Potter, LEGO Marvel, LEGO Indiana Jones e por aí vai. Por um bom tempo, falar em jogo da LEGO era quase sinônimo de falar em TT Games. Esses títulos tinham um papel curioso: em muitas casas, a criança conhecia primeiro a versão em LEGO de um universo famoso e só depois ia ver os filmes ou quadrinhos. Era uma porta de entrada segura para tudo aquilo que, fora do jogo, podia parecer mais pesado ou complexo.
Só que, enquanto esses jogos brilhavam, o mundo ao redor virava de cabeça para baixo. Internet rápida, smartphones, jogos gratuitos com atualizações constantes e uma explosão de comunidades online mudaram a forma de jogar. Minecraft mostrou que construir e explorar com amigos podia ser mais atrativo do que seguir uma campanha fechada. Roblox transformou jogadores em desenvolvedores amadores. Fortnite virou menos um jogo único e mais uma plataforma, um lugar onde coisas diferentes acontecem o tempo todo. A LEGO, que sempre falou de criatividade, não podia simplesmente ignorar esse movimento.
Crianças de hoje: menos zerar fase, mais ficar junto online
Se você cresceu na era do Super Nintendo, do Mega Drive ou dos primeiros PCs, é provável que se lembre de jogos como um refúgio individual. Era você, o controle e o objetivo bem definido: passar de fase, derrotar o chefão, ver os créditos subindo. O papo com os amigos vinha depois, no recreio, contando quem chegou mais longe. A base da experiência era o desafio solo. Já para muita criança de hoje, a lógica se inverteu. Elas entram em um jogo menos para cumprir objetivos e mais para simplesmente estar com os amigos.
Plataformas como Minecraft, Roblox e o próprio Fortnite se tornaram quase praças digitais. Lá dentro você constrói, bate papo, grava vídeo, testa mapas aleatórios, experimenta minigames que duram cinco minutos, participa de lives e shows virtuais. O importante não é tanto o que você está jogando, mas com quem. Não por acaso, alguns dos maiores sucessos recentes no Roblox são experiências que soam esquisitas para quem tem uma visão mais antiga de videogame: simulações aparentemente simples, jogos baseados em memes, modos focados em conversar e brincar de faz de conta.
Para a LEGO, aceitar essa mudança significa abandonar a ideia de que haverá um grande jogo definitivo que represente o seu nome. Em vez disso, o que faz sentido é ter uma prateleira digital tão variada quanto a parede de caixas nas lojas da marca: ali do lado dos clássicos você encontra experiências sociais rápidas, aventuras intimistas, puzzles mais cabeçudos, modos cooperativos e, principalmente, espaços em que a própria comunidade cria e compartilha suas ideias.
LEGO Worlds e a busca pelo tijolo digital perfeito
Um dos projetos que melhor simbolizam essa tentativa de traduzir o DNA físico da LEGO para o digital foi LEGO Worlds. Ele nasceu claramente na sombra de Minecraft: um mundo aberto, feito de blocos, em que você podia moldar o terreno, erguer construções, brincar com veículos e personagens. Para o público geral, a comparação com o fenômeno da Mojang talvez nunca tenha sido totalmente favorável. Mas, dentro da LEGO, Worlds teve um papel fundamental como laboratório de ideias.
Foi ali que a equipe mergulhou em perguntas que continuam atuais: como transformar a sensação de encaixar duas peças em algo que funciona no controle ou teclado? Como lidar com a mistura de temas em um mesmo mundo, com castelos medievais ao lado de naves espaciais, fazendas coladas em vulcões? O que significa construir uma narrativa em cima de um sistema tão aberto? Worlds deixou claro que os fãs estão dispostos a passar horas montagem digital, inventando cenários e histórias, desde que as ferramentas sejam convidativas e a partilha entre jogadores seja simples.
LEGO Party e LEGO Voyagers: a mesma marca, climas bem diferentes
Uma olhada rápida nos lançamentos recentes mostra o quanto a LEGO já abraçou essa diversidade. LEGO Party, por exemplo, entra sem medo no território de jogos de festa ao estilo Mario Party. Vários minigames, regras simples, partidas curtinhas, uma bagunça gostosa na sala com família e amigos. É aquele tipo de jogo perfeito para fim de semana, feriado e encontro de primos, em que a graça está mais na zoeira do que em saber apertar o botão na hora exata.
Do outro lado do espectro está LEGO Voyagers, um projeto com cara de indie publicado pela Annapurna. Aqui a pegada é outra: uma aventura de plataforma com puzzles cooperativos, foco em atmosfera, trilha sonora mais delicada e desafios que exigem um mínimo de coordenação entre duas pessoas. Não à toa, muita gente brinca dizendo que o jogo é teste de relacionamento: um parceiro tenta pular e o outro, do lado, opina demais ou de menos. Os dois títulos são LEGO até a alma, mas falam com humores e momentos completamente diferentes. E é exatamente isso que a empresa quer construir: um cardápio de experiências digitais, não um único prato.
LEGO Fortnite: LEGO como serviço dentro de uma mega plataforma
O movimento mais ousado da marca nesse novo contexto é LEGO Fortnite. Em vez de lançar outro jogo isolado, a LEGO decidiu entrar de cabeça em uma das maiores plataformas da atualidade. Fortnite deixou há muito tempo de ser só um modo battle royale; virou um hub com milhares de experiências criadas por times oficiais e pela comunidade. Dentro desse universo, LEGO ganhou seu próprio espaço, com modos, regras e visual próprios.
LEGO Fortnite Odyssey funciona como carro-chefe: um grande modo de sobrevivência e exploração, no qual jogadores coletam recursos, constroem vilarejos, defendem suas bases e vão domando o mundo pouco a pouco. Ele é pensado para viver por muito tempo, recebendo atualizações, eventos e, claro, colaborações com temas queridos como Ninjago. Ao lado dele existe LEGO Brick Life, mais tranquilo, com pegada de simulação de vida, que recentemente ganhou até invasão temática dos Simpsons. Em vez de uma campanha fechada, você tem um universo vivo que vai se remodelando conforme as temporadas avançam.
O ponto crucial, porém, está nas ferramentas de criação. LEGO Fortnite não é só um parque de diversões feito pela LEGO; é também uma caixa de LEGO digital na mão dos jogadores. Qualquer pessoa com um pouco de paciência consegue montar sua própria ilha, inventar regras, criar um mini jogo estranho e chamar os amigos para testar. Um adolescente que volta da escola com a ideia de fazer um mapa de fazenda de tijolinhos pode, em questão de horas, ter algo jogável no ar. Para uma empresa acostumada a projetos de cinco anos de desenvolvimento, essa velocidade é chocante e, ao mesmo tempo, libertadora.
Por que os jogos clássicos ainda são essenciais
Com tanta conversa sobre plataformas, comunidade e criação de conteúdo, é fácil pensar que os jogos LEGO tradicionais vão sumir. Mas a realidade é outra. Próximo de chegar, LEGO Batman: Legacy of the Dark Knight é prova viva de que ainda há muito espaço para o modelo clássico de aventura narrativa. Os trailers foram recebidos com empolgação, as demonstrações em eventos especializados lotaram, e fãs de quadrinhos já disputam qual fase da história do herói vai brilhar mais na versão em tijolinhos.
Esses jogos têm uma função muito específica que nada substitui: eles convidam você a mergulhar por horas em uma campanha robusta, cheia de fases, segredos escondidos e piadas visuais. São perfeitos para aquele ritual de férias ou feriado prolongado, quando pai, mãe, filho ou filha se juntam para avançar juntos. Muita gente conta que foi assim, com LEGO Star Wars ou LEGO Harry Potter, que conseguiu passar adiante um fandom inteiro. TT Games domina como poucos a arte do coop de sofá: dificuldade amigável, tela dividida inteligente, colecionáveis espalhados por todo canto. Em uma era de jogos online, esse tipo de experiência local ainda é um diferencial enorme.
Os sonhos da comunidade: sandbox, fazenda e crossovers malucos
Se você descer até os comentários em notícias sobre LEGO e videogames, vai encontrar um mar de sugestões, pedidos e desabafos bem específicos. Um dos desejos mais repetidos é quase óbvio: um sandbox do tamanho de Minecraft, mas verdadeiramente LEGO. Uma espécie de mundo inteiro de tijolinhos, em que cada montanha, casa ou árvore possa ser destruída peça por peça, virando um inventário gigante de elementos diferentes. Em vez de blocos genéricos, os jogadores sonham em catar as peças estranhas que sobram dos sets físicos, aqueles cantos, curvas e placas que, juntos, permitem construções loucas. A partir deles, daria para erguer castelos, fazendas futuristas, cidades flutuantes e o que mais a imaginação mandar.
Logo ao lado dessa fantasia existe outro pedido que aparece com frequência: um jogo de fazendinha estilo Stardew Valley, mas com visual e espírito LEGO. Imagina um vilarejo montado em baseplates, plantações alinhadas nos studs, minifigs cuidando de vacas e galinhas de plástico, pescando de noite em um lago quadrado. Jogos de fazenda e vida tranquila estão em alta justamente porque entregam uma rotina gostosa, sem aquela cobrança de desempenho. Parece um casamento natural com a proposta LEGO de criar, customizar e brincar do próprio jeito.
A parte divertida é que a comunidade não para por aí. Tem quem diga, em tom meio de brincadeira, meio sério, que trabalharia em qualquer cargo dentro da LEGO, até estacionando carro, só para estar perto desse universo. E toda hora pipocam pedidos por licenças específicas. Um dos mais barulhentos é LEGO He-Man: fãs imaginam o Castelo de Grayskull em tijolinhos, um Battle Cat montado peça por peça e um minifig levantando espada e gritando que tem o poder. Outros olham para a parceria com a Nintendo e já emendam uma lista de desejos: sets de Metroid, naves e pistas de F-Zero, arwing de Star Fox pousando ao lado do cano verde do Mario. No fundo, tudo isso revela como a galera já enxerga LEGO menos como produto isolado e mais como uma linguagem visual que cabe em qualquer franquia.
Quando o físico encontra o digital
É fácil esquecer, mas a aventura da LEGO no digital sempre caminhou lado a lado com experimentos físicos. Muito antes de LEGO Fortnite existir, Mindstorms já permitia montar robôs e programá-los, misturando montagem e lógica de forma muito concreta. Mais recentemente, LEGO Super Mario transformou o ato de montar fase em um tipo de videogame analógico: com a ajuda de uma peça interativa, com sensor e tela, cada bloco e inimigo vira um evento com som, pontuação e reação em tempo real, mesmo sem console.
Outro capítulo curioso foi LEGO Dimensions, a aposta da marca na era dos brinquedos com chip que aparecem dentro do jogo. Ali já existia a ideia de misturar universos diferentes, colocar personagens improváveis dividindo a mesma aventura e incentivar o colecionismo. Em retrospecto, dá para ver LEGO Dimensions quase como um antepassado espiritual de LEGO Fortnite: uma grande colagem de IPs, muitas referências e um sentimento de multiverso. A diferença é que hoje a ponte entre físico e digital não precisa de base especial nem figuras com chip; basta um controle e uma boa conexão.
Próximo capítulo: trinta anos depois, o que vem agora
Ao entrar em seu quarto decênio no mundo dos jogos, a LEGO se encontra em posição rara. Ela tem um legado respeitado de aventuras tradicionais da TT Games, uma vitrine crescente de experiências alternativas como LEGO Party e LEGO Voyagers, um laboratório gigantesco dentro de Fortnite e, claro, uma linha interminável de sets físicos que seguem inspirando brincadeiras offline. O grande desafio é fazer com que tudo isso converse, sem que nenhuma dessas partes perca a sua força.
No fim das contas, a ideia que sustenta a marca continua surpreendentemente estável. LEGO nunca vendeu só plástico; sempre vendeu a promessa de montar um mundo próprio. A diferença é que, em 2025, esse mundo pode nascer no chão da sala, migrar para a tela do PC, ganhar um modo em LEGO Fortnite e, quem sabe, inspirar um novo jogo de aventura lá na frente. O grande deslocamento da indústria de games fez com que as crianças de hoje encarem jogos menos como produtos fechados e mais como espaços compartilhados. A resposta da LEGO passa por abraçar justamente isso: tornar cada criança, adolescente ou adulto que entra em seus mundos digitais um coautor da grande história em tijolinhos que a marca vem escrevendo há décadas.