
Chloé Zhao ainda não largou Os Eternos, mesmo que a Marvel já tenha seguido em frente
Quando Os Eternos chegou aos cinemas no fim de 2021, a Marvel vendia o filme como o início de uma nova fase cósmica do Universo Cinematográfico Marvel. Direção de uma vencedora do Oscar, elenco internacional de peso, locações reais pelo mundo, promessa de apresentar um panteão de deuses imortais que acompanharam a humanidade desde a pré-história. No papel, parecia o passo perfeito depois de Vingadores: Ultimato. Na prática, o longa virou rapidamente sinônimo de fracasso caro e do momento em que o brilho da marca MCU começou a oscilar. Só que, para a diretora e co-roteirista Chloé Zhao, a história está longe de ter acabado.
Em entrevistas recentes, Zhao deixa claro que adoraria voltar para comandar uma continuação. Na visão dela, Os Eternos nunca foi apenas sobre super-heróis novos, mas sobre um grupo de deuses que observa a humanidade à distância e, de repente, precisa decidir se a nossa espécie merece continuar existindo. Para a diretora, mitos como esse existem justamente para que a gente possa discutir quem somos e como vivemos. E, goste-se ou não, os filmes de super-herói viraram a forma moderna desses mitos. Por isso, Zhao diz que continua orgulhosa do filme e que amaria trazer os personagens de volta para aprofundar essa conversa sobre humanidade, poder e responsabilidade.
O grande experimento que feriu o orgulho da Marvel
É fácil esquecer o tamanho da aposta que Os Eternos representava para o estúdio. A produção rodou cenas em diferentes países, tentou fugir do visual totalmente digital, apresentou dez protagonistas de uma vez, ainda introduziu Celestiais, Deviantes e milhares de anos de cronologia em um único filme. A mensagem era clara: depois de uma década de sucesso, a Marvel podia se dar ao luxo de ser mais ousada, mais autoral, mais estranha.
Só que o público e a crítica receberam o filme com muito menos entusiasmo do que a Disney esperava. Os Eternos se tornou o primeiro longa da Marvel a ser classificado como podre nos grandes agregadores de crítica, algo impensável para um estúdio acostumado a elogios constantes. Na bilheteria, o resultado também foi abaixo do esperado para um blockbuster tão caro e tão divulgado. Pouco depois, Kevin Feige confirmou de forma diplomática que não havia planos imediatos para Os Eternos 2. Na linguagem de Hollywood, isso costuma significar que a franquia não está na lista de prioridades.
O que um possível Os Eternos 2 poderia explorar
A ironia é que o final do filme praticamente implora por um desdobramento. O Celestial Arishem aparece no céu da Terra em escala absurda, puxa alguns integrantes da equipe para o espaço e avisa que voltará para julgar a humanidade depois de revisar as memórias dos Eternos. Ao mesmo tempo, o corpo petrificado de um Celestial sai do oceano como uma montanha viva, transformando o planeta tanto política quanto literalmente. Os heróis restantes precisam lidar com o fato de que traíram a missão para salvar pessoas que, tecnicamente, nem deveriam existir.
Em um segundo filme, Zhao poderia deixar a estrutura de origem para trás e mergulhar de vez na pergunta que sempre esteve no centro da proposta: o que faz uma civilização valer o esforço de ser preservada? Aprendemos alguma coisa com guerras, desastres e extinções, ou só repetimos tudo com armas mais modernas e algoritmos mais eficientes? O amor, a arte e a capacidade de criar comunidades pesam na balança contra o caos que espalhamos? Essas questões já estão presentes em Os Eternos, mas foram atropeladas por exposição, piadinhas e a necessidade de apresentar uma multidão de personagens em pouco tempo.
Além disso, o filme deixou uma fila de ganchos soltos que, por enquanto, não deram em nada. Harry Styles surgiu como Eros, irmão de Thanos, acompanhado do troll Pip. Dane Whitman foi preparado para se tornar o Cavaleiro Negro, com a voz de Blade surgindo na cena pós-créditos. Na época, tudo soava como o começo de uma grande costura cósmica para o futuro do MCU. Hoje, esses momentos parecem mais um corredor de promessas abandonadas, lembrado apenas pelos fãs mais atentos.
Fanbase dividida: desastre absoluto ou tentativa injustiçada?
O debate em torno de Os Eternos segue aceso justamente porque a recepção foi extremamente polarizada. Para um grupo barulhento de fãs, o filme é simplesmente um dos piores da Marvel. Eles apontam problemas de edição, com saltos bruscos entre períodos históricos, cenas que parecem estar faltando, transições duras que dão a sensação de que um corte mais completo ficou perdido em algum HD. Também criticam a forma como algumas sequências de ação foram filmadas, com borrões estranhos e uma sensação de movimento inconsistente.
No roteiro, as queixas não são menores. O antagonista nunca se consolida como uma ameaça memorável, o drama romântico não convence todo mundo e a reviravolta envolvendo os Deviantes soa, para muitos, como uma versão menos inspirada de temas que o próprio MCU já havia trabalhado em outros filmes. Tentando equilibrar filosofia, romance, humor, flashbacks e uma apresentação coletiva de heróis inéditos, Os Eternos acaba, em vários momentos, parecendo mais um quebra-cabeça do que uma história fluida. Não é por acaso que alguns espectadores apontam o filme como o ponto em que decidiram largar a rotina de acompanhar tudo que a Marvel lança.
Ao mesmo tempo, existe um grupo considerável de pessoas que enxerga o longa com muito mais carinho. Para esses fãs, Os Eternos é um filme cheio de problemas, sim, mas também uma rara tentativa de fazer algo diferente dentro de uma máquina gigantesca. Eles destacam a diversidade real do elenco, a forma como Makkari redefine a maneira de mostrar velocidade no cinema, o tom melancólico que acompanha Ikaris e a tentativa de tratar os protagonistas como figuras com história, cultura e contradições, e não apenas como bonecos de ação. Na visão desse público, o filme foi punido justamente por ousar sair um pouco da fórmula.
O momento errado para o filme certo (ou quase)
Contexto também pesa. Os Eternos chegou pouco depois de Vingadores: Ultimato, quando parte do público esperava que todo novo filme tivesse cara de evento gigantesco. Qualquer projeto que não parecesse uma nova reunião de heróis veteranos já começava em desvantagem. Ao mesmo tempo, a Disney vinha acostumando fãs a esperar lançamentos no Disney+, o que afetou o impulso para ir ao cinema ver algo que não parecia obrigatório. Um épico mais lento, cheio de lore novo e sem tantos rostos familiares, estreando em meio a essa mudança de hábito, tinha tudo para ser recebido com desconfiança.
Há quem defenda que a Marvel tirou as conclusões erradas desse cenário. Em vez de dar tempo para que a própria audiência redescobrisse o filme, talvez com uma versão estendida ou um derivado mais focado em alguns personagens, o estúdio teria optado pelo caminho mais fácil: multiplicar a quantidade de projetos, reduzir riscos criativos e apostar em histórias que lembram sucessos anteriores. O resultado, segundo muitos fãs, foi uma fase recente com efeitos visuais irregulares, tramas reaproveitadas e uma sensação geral de cansaço. Nesse quadro, Os Eternos acaba parecendo menos o grande vilão da história e mais o último experimento ambicioso antes da fase do piloto automático.
Onde Os Eternos se encaixam hoje no MCU
Dentro da cronologia do MCU, os personagens estão praticamente estacionados. Kingo, vivido por Kumail Nanjiani, reapareceu apenas em animação, em um episódio de What If…?. O Celestial petrificado, por sua vez, virou um problema geopolítico comentado em outros projetos, mas mais como pano de fundo do que como eixo dramático. Por enquanto, não há qualquer sinal sólido de que Eros, Pip, o Cavaleiro Negro ou o restante da equipe vão ter peso real em Vingadores: Doomsday, Secret Wars ou no que quer que venha depois.
Entre bastidores e contratos, o impacto também foi sentido. Nanjiani chegou a comentar que, quando aceitou o papel, o pacote envolvia vários filmes, jogo de videogame, talvez até atração em parque temático. Depois da recepção fria, tudo isso evaporou no ar. O ator já contou que a experiência o abalou o suficiente para que ele procurasse terapia, tentando lidar com a mistura de frustração e exposição pública. É um lembrete de que, por trás do termo fracasso de bilheteria, existem carreiras, expectativas e saúde mental.
Uma Marvel em crise de identidade não tem espaço para apostas
Em paralelo, a própria Marvel vive sua primeira crise de identidade desde que virou sinônimo de blockbuster. O público não corre mais para qualquer coisa com o logo da empresa, os orçamentos gigantes são questionados, e o estúdio precisa provar que ainda merece a confiança de quem ficou. Nesse clima, a estratégia natural é apostar nos nomes mais seguros: mais Homem-Aranha, um novo ciclo de Vingadores, a chegada dos X-Men, talvez o Quarteto Fantástico em posição de destaque. Um segundo filme dos Eternos, com reputação dividida e memória já esfriando, é um risco difícil de justificar numa reunião de acionistas.
Mesmo quem gosta do filme admite que, no curto prazo, há outras prioridades na fila. No cenário mais otimista, Os Eternos retornariam só depois da poeira da saga do multiverso baixar, talvez em um projeto mais contido, com foco em menos personagens e uma trama mais direta. Em outro cenário, nada disso acontece, e um grande evento como Secret Wars simplesmente reescreve ou apaga a maior parte dessa linha do tempo, deixando apenas referências pontuais.
Chloé Zhao segue em frente, mas ainda pensa em deuses e humanos
Enquanto isso, Chloé Zhao não está parada esperando uma ligação da Marvel. Ela prepara o lançamento de Hamnet, drama histórico ligado ao universo de Shakespeare, com Paul Mescal e Jessie Buckley no elenco. A diretora também se envolve em uma nova versão de Buffy, a Caça-Vampiros, outra história que mistura fantasia, amadurecimento, monstros e dilemas morais. Ou seja, mesmo longe do MCU, Zhao continua fascinada por narrativas em que seres excepcionais precisam decidir o que fazer com o poder que têm nas mãos.
Alguns analistas dizem que o tropeço de Os Eternos esfriou o namoro de Hollywood com a diretora justamente quando sua carreira parecia decolar em ritmo vertiginoso. Ainda assim, quando Zhao fala do filme, não soa amarga: ela enxerga o projeto como um experimento arriscado, com falhas claras, mas que valia a tentativa. Na cabeça dela, a pergunta que guia tudo permanece a mesma: se deuses observassem a humanidade como nós olhamos para uma formigueiro, será que achariam que merecemos mais uma chance?
Os Eternos merecem outra chance?
No fim das contas, a pergunta que sobra é simples e complicada ao mesmo tempo: vale a pena trazer Os Eternos de volta? Para um lado da fanbase, a resposta é um não convicto; o filme foi fraco, a Marvel tem personagens mais populares para trabalhar, e o melhor que se pode fazer é seguir em frente. Para outro grupo, é justamente ali que a franquia poderia encontrar algo novo a dizer. Vivemos pedindo originalidade, mas reagimos com desconfiança sempre que um blockbuster escapa demais da fórmula. Os Eternos, com todos os seus problemas, expõem essa contradição melhor do que muitos filmes impecavelmente calculados.
Nesse sentido, o longa já funciona quase como um mito próprio sobre deuses e mortais. De um lado, Celestiais decidindo o destino de mundos inteiros. Do outro, executivos, críticos e espectadores decretando a vida ou a morte de uma franquia depois de um fim de semana de estreia. Chloé Zhao ainda acredita que existe história para contar com esse grupo de imortais. Muita gente prefere que a página seja virada para sempre. Entre esses dois extremos, a Marvel terá que decidir que tipo de deuses quer ser – os que julgam apenas pelos números ou os que, de vez em quando, concedem uma segunda chance.