Enquanto todo mundo presta atenção nos recursos de IA, nas câmeras cheias de marketing e nos novos chipsets, um dos componentes mais sensíveis do hardware está ficando bem mais caro quase em silêncio: a memória. Nos últimos meses, a Samsung aumentou de forma agressiva os preços de vários módulos DDR5, e esse movimento não vai ficar preso aos servidores de nuvem. O que começa em salas cheias de racks em data centers deve chegar ao bolso de quem compra celular, tablet ou notebook em 2026.
De acordo com fontes da indústria, alguns módulos DDR5 de 32 GB pularam de cerca de 149 dólares em setembro para algo na casa dos 239 dólares em novembro. 
Outras capacidades, como 16 GB e 128 GB, também subiram forte, com reajustes na faixa de 30% a 50%. Para o mercado de memória, isso não é uma simples correção de fim de ano: é uma mudança estrutural provocada por um descompasso brutal entre oferta e demanda.
Data centers de IA estão devorando a memória
O grande motor dessa alta é a explosão de cargas de trabalho de inteligência artificial. Treinar e rodar modelos de linguagem gigantescos, sistemas de recomendação, geração de imagem e todo o resto exige quantidades absurdas de memória rápida. Operadores de nuvem e big techs estão disputando lotes inteiros de chips, fechando contratos de longo prazo e, em muitos casos, aceitando pagar um prêmio elevado para garantir fornecimento.
Na prática, isso significa pedidos feitos com muitos meses de antecedência, fabricantes ajustando a produção para atender primeiro quem paga mais e até uma certa corrida ao estoque: alguns clientes estão comprando agora não porque precisam de todos os chips neste momento, mas porque têm medo de não encontrar nada disponível – ou encontrar apenas por um valor ainda mais alto – daqui a um ano.
Quando o segmento de servidores passa a ser o cliente mais lucrativo, sobra menos espaço, tempo de fábrica e atenção para o resto da indústria. Menos memória para servidores tradicionais, menos para PCs entusiastas, menos para consoles, e, inevitavelmente, menos para o mundo móvel. Fabricantes de chips na Ásia já comentam que muitos clientes estão postergando a compra de outros componentes simplesmente porque não conseguem travar contratos seguros de memória. Se a RAM vira gargalo, todo o resto da placa-mãe perde prioridade.
Do rack do servidor para o seu bolso
É verdade que smartphones não usam exatamente os mesmos módulos DDR5 de servidor. Nos celulares, o padrão dominante hoje é LPDDR, especialmente LPDDR5X nos aparelhos mais caros. Só que a cadeia de produção é amplamente compartilhada: são as mesmas fábricas, o mesmo maquinário de litografia, os mesmos engenheiros, matérias-primas semelhantes. Quando o fabricante desloca capacidade de produção para atender contratos gordos de data centers de IA, sobra menos linha para os chips voltados ao consumidor final.
Daí surge o efeito cascata. Como a memória fica mais cara na ponta do servidor, o preço médio da linha toda tende a subir. Para as marcas de celulares, o jogo passa a ser escolher onde absorver o impacto: ou reduzem a margem de lucro, ou aumentam o preço final, ou começam a cortar discretamente em algum lugar da ficha técnica. O caminho mais tentador é encolher a configuração base e empurrar o consumidor para versões mais caras.
O cenário típico: no ano passado, o modelo intermediário vinha com 12 GB de RAM e 256 GB de armazenamento na versão padrão. No ano seguinte, ele passa a oferecer 8/128 GB como base, e o pacote 12/256 vira uma opção bem mais cara. À primeira vista a linha parece parecida, mas para ter aquela folga confortável de memória você precisa subir de faixa de preço.
Redmi K90 como sinal amarelo
Na China, essa pressão já ficou escancarada. A Xiaomi lançou recentemente a família Redmi K90, e o presidente da empresa, Lu Weibing, admitiu publicamente que a disparada no custo de memória obrigou a marca a praticar preços de lançamento mais altos do que na geração Redmi K80. Ou seja, a alta de custos saiu da planilha interna e chegou à etiqueta na vitrine.
Esse detalhe é importante porque a Xiaomi construiu boa parte da sua reputação entregando muito hardware por pouco dinheiro, com margens extremamente apertadas. Se até ela está se curvando à inflação da memória, dá para imaginar o que acontece com fabricantes que já trabalhavam com margens maiores ou dependiam de promoções agressivas para se diferenciar.
Para não deixar a ficha técnica parecer fraca, algumas marcas podem tentar economizar em outros pontos: reduzir a qualidade de sensores de câmera menos usados, simplificar materiais de acabamento ou enxugar acessórios que antes vinham na caixa. A prioridade passa a ser manter RAM e armazenamento competitivos no papel, mesmo que isso signifique pequenos cortes quase invisíveis em outras áreas.
2026: flagships mais caros e memória virando luxo
Analistas e leakers do mercado de smartphones já vinham apontando há meses que os preços de memória estavam subindo mais do que o público percebia. A previsão de vários especialistas é de uma alta na ordem de 20% a 30% no custo de RAM e armazenamento para os tops de linha do ano que vem, na comparação anual. E quem vai sentir mais são justamente as versões com 12 ou 16 GB de RAM e 512 GB ou 1 TB de armazenamento, que já operam no limite do que muita gente consegue pagar.
No mundo mobile, LPDDR5X é a estrela do momento. Além disso, cresce a expectativa em torno de recursos de IA rodando direto no aparelho: assistentes mais espertos, filtros de câmera pesados, tradução em tempo real, tudo isso faz a pressão por mais memória continuar alta. Cortar RAM para economizar é arriscado, porque o usuário sente o impacto imediatamente: apps recarregando o tempo todo, jogos fechando em segundo plano, multitarefa engasgando. A saída mais simples para o fabricante acaba sendo mexer no preço, não na quantidade de memória exposta no material de marketing.
Oferta, demanda e o fim da era da memória barata
No fundo, não há muito mistério econômico aqui. Fábricas de memória não nascem da noite para o dia: abrir ou expandir uma planta exige investimentos bilionários e anos de construção e ajuste fino. Quando a demanda explode e se mantém alta, o preço sobe – é a velha curva de oferta e demanda em ação. Já vimos algo parecido com placas de vídeo na época da mineração de criptomoedas, com HDs em crises de produção e até com itens bem mais simples de consumo.
A diferença agora é que a IA não parece um modinha passageira. Ela está sendo incorporada ao coração dos serviços de praticamente todas as grandes empresas de tecnologia, o que sugere que a pressão sobre data centers e, por tabela, sobre a memória, deve continuar por bastante tempo. Isso aumenta a chance de a era da RAM abundante e barata nos celulares ficar para trás.
Para o consumidor comum, o impacto deve vir em forma de várias pequenas frustrações, e não de um único choque gigantesco. Em vez de ganhar mais memória pelo mesmo preço a cada geração, é bem possível que vejamos um platô nas especificações, com saltos maiores reservados apenas às versões mais caras. Descontos agressivos em flagships antigos podem ficar mais raros, e o segmento intermediário corre o risco de estacionar em 8 GB de RAM por mais tempo do que os usuários gostariam.
Os contratos de fornecimento que as grandes marcas estão assinando agora, válidos para 2026 e 2027, já consideram esse patamar mais alto de custo. Mesmo se a produção conseguir alcançar a demanda lá na frente, não é garantia de que os preços finais dos aparelhos vão voltar rápido ao que eram antes. Depois que o mercado se acostuma com um nível de preço mais elevado, derrubá-lo exige muito esforço e, na prática, reduz a margem das empresas.
No fim das contas, aquela discussão aparentemente distante sobre módulos DDR5 para data centers tem tudo a ver com o celular que você vai querer comprar daqui a dois anos. O boom de IA é empolgante e abre portas para recursos impressionantes, mas também está reescrevendo silenciosamente a economia do hardware. Se você se pegar pagando mais caro pelo mesmo tanto de RAM ou sendo obrigado a subir de versão só para não viver apagando apps, lembre-se: o ponto de virada não foi numa apresentação glamourosa, e sim numa linha quase invisível da tabela de preços de memória da Samsung.