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Como a obsessão da Ubisoft por GaaS enterrou um novo Splinter Cell e levou a XDefiant

por ytools
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Como a obsessão da Ubisoft por GaaS enterrou um novo Splinter Cell e levou a XDefiant

Como a obsessão da Ubisoft por jogos como serviço enterrou um novo Splinter Cell e levou a XDefiant

No fim de 2025, um nome relativamente novo começou a aparecer em praticamente toda discussão séria sobre “jogo do ano”: AdHoc Studio. O primeiro projeto do estúdio, Dispatch, não chegou com alarde de blockbuster, mas foi crescendo no boca a boca até conquistar críticos, jogadores e, principalmente, mais de um milhão de cópias vendidas. Em uma indústria saturada de lançamentos, é o tipo de feito que chama atenção – ainda mais por se tratar de uma experiência fortemente focada em narrativa, sem a armadura de um gigantesco orçamento de marketing.

O que muita gente não sabe é que o caminho até esse sucesso passa por uma história bem mais turbulenta dentro da Ubisoft. Antes de criar Dispatch, parte dos fundadores da AdHoc trabalhou em um projeto que tinha tudo para marcar o retorno triunfal de Splinter Cell. Mas a ideia acabou esmagada pela prioridade máxima da empresa: encontrar um grande “game as a service” (GaaS) para chamar de seu. O que começou como um novo capítulo de espionagem de Sam Fisher foi, pouco a pouco, se transformando em outra coisa – até desembocar no FPS gratuito XDefiant.

De acordo com apuração de Jason Schreier para a Bloomberg, essa história começa em 2017, quando Telltale Games ainda respirava, mas já acumulava problemas. Vários desenvolvedores experientes enxergaram o que vinha pela frente e decidiram sair antes do colapso. Entre eles estava Nick Herman, que mais tarde cofundaria a AdHoc Studio. Buscando estabilidade e a chance de trabalhar com marcas fortes, o grupo aceitou uma oferta da Ubisoft e se mudou para o escritório da empresa em São Francisco.

Logo na chegada, a equipe foi colocada em um projeto dos sonhos: participar da criação de um novo Splinter Cell. Para quem cresceu jogando as missões furtivas de Sam Fisher, isso é o equivalente a ganhar um passe VIP para mexer em um clássico. Herman já contou como aqueles primeiros meses foram empolgantes: a sensação era de estar ajudando a ressuscitar uma franquia adorada, com liberdade para atualizar a fórmula, contar uma história moderna e, ao mesmo tempo, respeitar as raízes do stealth tenso e cuidadoso.

Só que, enquanto o time em São Francisco desenhava missões, personagens e momentos dramáticos, os executivos em cargos mais altos da Ubisoft olhavam para outra direção. O grande sonho corporativo do momento era encontrar um mega hit de longo prazo – um jogo como serviço capaz de prender o jogador por anos, alimentado por temporadas, skins, passes de batalha e eventos recorrentes. Olhando ao redor, a empresa via Fortnite, Destiny, Warzone, Apex Legends… e sentia que precisava desesperadamente de algo nesse nível.

A partir daí, uma pergunta começou a ser feita a praticamente todos os projetos internos: “Como isso pode virar um serviço?”. O novo Splinter Cell não escapou desse filtro. Aos poucos, a equipe passou a sofrer pressão para encaixar o jogo em um modelo GaaS, mudando a visão original. Não bastava mais ser uma campanha fechada, bem escrita, com alto índice de aprovação crítica. Era preciso pensar em loops de engajamento, progressão de longo prazo, retenção diária, monetização contínua.

Herman e sua equipe chegaram a abraçar o desafio de criar uma espécie de “GaaS narrativo” – uma história de espionagem que se desenrolaria em capítulos ao longo do tempo, com novos “episódios” liberados periodicamente, talvez modos cooperativos, novas operações e atualizações constantes. Vários protótipos saíram dessa fase. Em teoria, algumas ideias eram bem interessantes: imaginar Splinter Cell quase como uma série de TV interativa, com temporadas e grandes ganchos dramáticos.

Na prática, entretanto, a fricção ficou evidente. O coração de Splinter Cell sempre foi a tensão de cada infiltração, o controle cirúrgico sobre ritmo, level design e situações cuidadosamente construídas. Forçar esse DNA a viver dentro de um modelo baseado em repetição, grind, metas diárias e monetização agressiva é como tentar transformar um thriller de espionagem em parque temático permanente. Quanto mais o GaaS entrava na conversa, mais a identidade original do projeto parecia se diluir.

Herman descreve essa virada de humor de forma quase dolorosa: os primeiros seis meses eram cheios de empolgação e senso de propósito. Depois veio a percepção de que aquilo que os desenvolvedores valorizavam – narrativa forte, missão bem amarrada, respeito à base de fãs – tinha deixado de ser prioridade para quem tomava as decisões de topo. Em seu lugar surgiram gráficos de retenção, dashboards, metas trimestrais. É uma história que já se repetiu em diferentes estúdios, mas continua sendo frustrante para quem está na linha de frente criando jogos.

Em 2018, a constatação foi dura e simples: para o grupo que mais tarde fundaria a AdHoc, continuar naquele projeto significaria sacrificar justamente o tipo de experiência que eles gostavam de fazer. Em vez de ficar travado em discussões intermináveis sobre monetização, o núcleo criativo decidiu sair da Ubisoft San Francisco e abrir seu próprio estúdio, buscando recuperar o controle sobre o tipo de jogo que queriam colocar no mundo.

O que ficou para trás, porém, não foi simplesmente cancelado. Dentro da Ubisoft San Francisco, a conversa começou a girar cada vez mais em torno da ideia de construir um FPS competitivo que pudesse encarar de frente gigantes como Call of Duty. Aos poucos, o que um dia foi um novo Splinter Cell foi sendo remodelado em algo mais próximo de um multiplayer frenético, com foco total em partidas online, especializações, habilidades e atualizações constantes. Dessa metamorfose nasceu XDefiant, posicionado como um shooter free-to-play capaz de disputar a atenção da comunidade de FPS.

O desfecho, no entanto, ficou bem longe do sonho de um “serviço eterno”. XDefiant até conseguiu encontrar um público inicial, mas entrou em uma arena saturada de opções parecidas e nunca alcançou o status de fenômeno que a empresa queria. Em vez disso, acabou sendo descontinuado por volta de um ano após o lançamento. Em um movimento simbólico, a própria Ubisoft San Francisco também foi fechada, tornando-se mais um nome na lista de estúdios engolidos por mudanças estratégicas e apostas que não deram retorno.

Esse contraste entre a trajetória da XDefiant e a da AdHoc Studio é quase cinematográfico. De um lado, um projeto empurrado com força para seguir a cartilha dos jogos como serviço, que não conseguiu se sustentar. Do outro, um grupo de desenvolvedores que preferiu abandonar a segurança relativa de um grande publisher para fazer algo autoral – e que acabou emplacando Dispatch como uma das grandes surpresas de 2025, justamente por apostar em narrativa, personagens e escolha do jogador.

O caso expõe um conflito ainda muito vivo na indústria: o desejo das grandes empresas de encontrar o próximo “poço sem fundo” de receita versus a vontade de parte dos jogadores de simplesmente ter uma boa história, bem contada, que começa, se desenvolve e termina. Em meio à corrida por GaaS, franquias tradicionais acabam virando laboratório de experimentos que nem sempre respeitam o que as tornou especiais em primeiro lugar.

Splinter Cell, pelo menos no papel, ainda não morreu. Longe de São Francisco, a Ubisoft Toronto trabalha em um remake do primeiro jogo da série, com a promessa de modernizar mecânicas e visual sem trair o espírito original. É um projeto que anima fãs de longa data, mas a falta de novidades concretas e o histórico recente de tentativas fracassadas fazem muita gente torcer, mas com certo ceticismo. Ninguém quer ver outro capítulo de Sam Fisher ser sacrificiado em nome de mais um modismo corporativo.

Enquanto isso, Dispatch funciona como um lembrete muito claro: ainda há espaço para jogos centrados em história, especialmente quando seus criadores podem seguir a própria intuição em vez de uma planilha de monetização. A trajetória do quase-Splinter-Cell que virou XDefiant é um aviso de que perseguir apenas o modelo de jogo como serviço é uma aposta arriscada. E para quem um dia atravessou corredores escuros com o visor verde de Sam Fisher, fica a sensação agridoce de que, em algum universo paralelo, talvez estivéssemos discutindo hoje o retorno épico da franquia – e não o encerramento de mais um shooter free-to-play.

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2 comentários

EchoChamber November 27, 2025 - 1:44 am

se o remake do primeiro Splinter Cell entrar nessa vibe de serviço eu desisto de acreditar em publisher grande, sério

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OrangeHue December 11, 2025 - 2:05 pm

corporativo: queremos engajamento infinito; dev: queremos contar uma história. resultado: jogo fechado e estúdio junto

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