No universo da relojoaria suíça, onde muitas marcas vivem de reedições seguras e nostalgia pasteurizada, a Chronoswiss sempre foi aquele convidado que chega pela porta lateral e traz a própria trilha sonora. Fundada em 1983, em pleno auge da crise do quartzo, quando o senso comum dizia que o futuro era digital e a bateria era o novo rei, a marca resolveu dobrar a aposta justamente na mecânica tradicional. 
Décadas depois, esse espírito de contramão continua firme – e ganha uma nova vitrine com o Chronoswiss Neo Digiteur, um relógio digital mecânico sem ponteiros que renasce em versão totalmente atualizada.
O Neo Digiteur não é apenas um relançamento da antiga Digiteur dos anos 2000 com algumas mudanças cosméticas. Ele é um projeto refeito do zero: mantém a ideia central de exibir o horário por discos e janelas, sem nenhum ponteiro, mas coloca tudo isso em um novo corpo de aço, com linhas mais arquitetônicas, proporções repensadas e um calibre desenvolvido especificamente para alimentar o mecanismo de salto das horas
. O resultado é um relógio que parece ao mesmo tempo saído de um prédio art déco dos anos 20 e de um estúdio de design contemporâneo.
Dos anos 20 barulhentos ao culto relojoeiro dos anos 2000
Para entender por que o Neo Digiteur faz tanto barulho entre entusiastas, vale uma viagem rápida no tempo. Lá nos anos 1920 e 1930, a relojoaria mecânica começou a flertar com um conceito que parecia quase heresia: relógios sem ponteiros. Em vez das tradicionais agulhas varrendo o mostrador, surgiram modelos em que horas e minutos apareciam em pequenos mostradores digitais, por meio de discos que giravam por trás de janelas. Era mecânico, mas visualmente parecia algo vindo do futuro.
Esse estilo combinava perfeitamente com a estética art déco da época: linhas geométricas, volumes em degraus, sensação de velocidade e modernidade. Em um meio extremamente conservador, aquele tipo de exibição de tempo era quase um manifesto. Décadas se passaram, a maioria dessas experiências ficou restrita a colecionadores e livros de história, e o conceito digital mecânico virou um nicho dentro do nicho.
Aí chega 2005. O mercado vivia a febre dos relógios gigantes de 44 mm ou mais, cheios de presença no pulso, enquanto minimalistas de três ponteiros e mostrador limpo dominavam vitrines mais discretas. 
A Chronoswiss, fiel ao próprio DNA, resolveu ir na direção oposta. Lançou a primeira Digiteur: um relógio relativamente compacto, com caixa retangular, nenhum ponteiro à vista e toda a leitura do horário feita por janelas, inspirado justamente naquele espírito experimental dos anos 20 e 30. A caixa era feita em metais preciosos e o motor vinha de um movimento Fleurier histórico, preparado e finalizado com o olhar obsessivo de Gerd-Rüdiger Lang para a mecânica tradicional.
Foram produzidas apenas 999 peças da Digiteur original, que rapidamente passou a ser peça de desejo entre colecionadores
. Hoje, quem acompanha o mercado sabe que esses modelos, especialmente em ouro, aparecem de vez em quando no mercado secundário e costumam ser usados como referência quando se fala em relógio digital mecânico sério. É nesse contexto exigente que o Neo Digiteur chega: qualquer mudança é imediatamente comparada à aura, proporções e até ao preço daquela primeira geração.
Neo Digiteur: aço, proporções novas e o mesmo espírito de outsider
Em vez de uma simples cópia, a Chronoswiss escolheu atualizar a ideia com coragem. O formato retangular está lá, mas a forma como ele é trabalhado muda bastante. A caixa do Neo Digiteur é em aço inoxidável, com um perfil em forma de barril e uma construção em vários níveis. O meio da caixa é profundamente rebaixado em degraus, misturando superfícies escovadas e jateadas que captam a luz de forma dramática, quase como se fosse uma pequena fachada de prédio sobre o pulso.
Os parafusos aparentes nos encaixes das asas reforçam a sensação de solidez mecânica, como se o relógio tivesse sido literalmente aparafusado ao bracelete. 
A clássica coroa em formato de cebola, marca registrada da Chronoswiss, também foi repensada: agora ela é levemente achatada na parte de baixo, o que melhora o conforto e evita que fique incomodando o pulso, sem perder aquele visual antigo que os fãs reconhecem de longe. Alguns ainda brincam que um relógio digital mecânico não deve ser o mais prático do mundo para dar corda todo dia, mas a ergonomia aqui está visivelmente mais bem resolvida.
Na ficha técnica, a caixa marca 48 x 30 mm. No papel isso pode assustar, mas no pulso o desenho manda mais que os números. As asas são curtas e bastante curvadas, abraçando a curvatura natural do braço, o que faz o conjunto parecer mais elegante do que muita caixa redonda de diâmetro similar. Com terno e camisa, o Neo Digiteur escorrega facilmente sob o punho e passa por um discreto sinal de extravagância; com roupas casuais, vira aquele detalhe que chama a atenção de quem gosta de relógio diferente.
Mostrador e versões: Granit x Sand
No mostrador, o time de design do Atelier Lucerne preferiu preservar a essência e refinar tudo ao redor. A arquitetura continua fiel ao original: janela para as horas saltantes na posição das 12, minutos digitais no centro e pequenos segundos em uma abertura às 6. Em uma primeira olhada, é um relógio claramente digital na maneira de mostrar o tempo; mas quanto mais se observa, mais ele se revela como um objeto de alta relojoaria, com tipografia bem cuidada e acabamentos de nível.
Em vez de reinventar a roda, a Chronoswiss foi atrás de legibilidade e equilíbrio visual
. As janelas estão mais limpas e bem emolduradas, os números ficaram mais cheios e contrastantes, e a simetria geral do mostrador parece mais harmoniosa. O Neo Digiteur chega em duas versões, ambas extremamente limitadas a apenas 99 exemplares cada: Neo Digiteur Granit e Neo Digiteur Sand. 
O Granit combina um mostrador antracito com acabamento acetinado e numerais azul-profundo e brilhantes, criando um clima mais urbano e discreto. Já o Sand aposta em um mostrador jateado de tom 4N, quente e levemente dourado, também com números azul-profundo, entregando um visual que muita gente descreve como “sol no fim da tarde sobre pedra clara”. Não à toa, o Sand tem se destacado como o queridinho de muitos fãs.
Um ponto interessante é a escolha consciente de fugir da moda das cores berrantes. Em uma época em que é quase obrigatório ter versões em roxo neon ou amarelo fosforescente para ganhar likes nas redes sociais, a Chronoswiss decidiu fazer o contrário: apostou em paletas mais contidas, quase arquitetônicas. Isso dá ao Neo Digiteur uma aura mais adulta e atemporal. O único detalhe realmente polêmico é o tamanho do logotipo Chronoswiss no mostrador; há quem ache a assinatura grande demais e defenda que o desenho do relógio já fala o suficiente sozinho.
O coração do Neo Digiteur: calibre C.85757 e magia digital mecânica
Toda essa encenação visual só faz sentido se a mecânica estiver à altura. Por trás dos discos e janelas está o novo calibre manual Chronoswiss C.85757, criado especificamente para essa arquitetura digital. Ele trabalha a 3 Hz, oferece reserva de marcha de aproximadamente 48 horas e traz um módulo proprietário responsável por gerenciar o salto instantâneo das horas e o avanço suave dos discos de minutos e segundos.
A cada hora cheia, a energia acumulada é liberada de uma vez e o disco de horas salta para o próximo número de forma instantânea. Não há animação de tela, nem efeito gráfico: é pura interação de engrenagens, molas e alavancas
. Pela janela de safira no fundo da caixa, é possível ver pontes e rodas com acabamentos bem cuidados, incluindo superfícies parcialmente guilhochê feitas à mão, que criam reflexos interessantes quando o relógio se move. Não é aquele tipo de movimento exageradamente decorado, pensado só para impressionar em fotos; é um trabalho artesanal sólido, muito alinhado com o que a Chronoswiss sempre oferece.
Uso no dia a dia e o inevitável debate sobre preço
No pulso, o Neo Digiteur é o tipo de relógio que chama atenção de quem entende, mas passa batido para quem só olha tamanho e brilho. O formato retangular e a exibição digital fazem dele um conversa-starter instantâneo entre entusiastas, enquanto a combinação de cores sóbrias impede que ele vire um brinquedo chamativo. Dar corda todo dia vira quase um ritual, um lembrete de que, apesar da cara digital, tudo ali acontece graças à mecânica tradicional.
Claro que, em 2020 e poucos, nenhum lançamento de alto luxo escapa de polêmica de preço. Com valor em torno de 15.200 dólares (aproximadamente 12.500 francos suíços), o Neo Digiteur entra direto na prateleira alta. Rapidamente surgiram comparações com a primeira Digiteur em ouro 18 quilates, que às vezes aparece no mercado secundário por valores parecidos ou até menores. Daí a pergunta que muitos fazem: faz sentido pagar esse preço em um relógio de aço, mesmo com novo calibre e tiragem tão reduzida?
Os defensores do modelo lembram que aqui não se trata de uma peça pensada para volume, e sim de um relógio conceitual, quase um objeto de arte mecânica. O desenvolvimento do módulo digital, a limitação de 99 unidades por cor, o nível de acabamento e o fato de ser um dos poucos digitais mecânicos sérios em produção hoje colocam o Neo Digiteur em um território próprio. Não é um relógio racional, e talvez esse seja justamente o ponto.
Para quem gosta de sair do óbvio
No fim das contas, o Chronoswiss Neo Digiteur resume bem o que a marca representa desde sua fundação: uma escolha para quem prefere ir na contramão. O modelo presta homenagem sincera às experiências digitais mecânicas das décadas de 1920 e 1930 e à Digiteur de 2005, mas não cai na tentação de ser só uma reedição saudosista. O novo desenho de caixa, a ergonomia revisada, a organização do mostrador e o calibre dedicado C.85757 empurram a ideia para frente, em vez de apenas repetir o passado.
Em um mar de mergulhadores redondos parecidos e cronógrafos retrô que se confundem à primeira vista, o Neo Digiteur se destaca como uma peça estranha no melhor sentido da palavra. Ele não vai agradar todo mundo, e provavelmente nem pretende. Mas para quem sempre sonhou com um relógio de visual digital que nunca precisa de bateria, movido só por engrenagens e mola real, e ainda por cima com acabamento suíço cuidadoso, esse Chronoswiss aparece como um forte candidato. Pode ser que o logotipo pareça grande demais e o preço, ambicioso, mas é difícil negar: ainda há espaço na relojoaria moderna para ideias ousadas, e o Neo Digiteur é prova disso.